Mulher amada
Os olhos tentam ver alguma coisa além do horizonte
As mãos trêmulas buscam acariciar o sofrimento
O peito é rasgado pelas garras da agonia
E o coração vulgar exposto à melancolia.
A garganta cala e arde em desespero
O sangue deixa-se escorrer pelos lábios
Que não desfrutam a essência da vida
Posto que ela está sempre de partida.
Os olhos cansados, atordoados, jurados
Olham as lembranças do futuro
A dor triunfa sobre qualquer esperança
E o mundo num vira-mundo avança.
A voz dilacera meu silêncio
A voz que clama do peito
A voz que canta e cala
O suspiro de sua última fala.
Clamo pelo encontro da morte
Esperando a sua boca sedenta
Para invadi-la em beijos
Depostos como trevos da sorte.
Crava suas unhas em minhas costas
Finca seus dentes em meu espírito
Dá-me as mãos na valsa da desilusão
E se embriaga no veneno da emoção.
Chora as minhas lástimas
Faz do meu corpo o seu corpo
Destrói o pouco de vida que me resta
E confessa que não presta.
Sê de minha morte a sua vida
Ganha vida, mas me deixa morte
Um vulto a mais na escuridão
E seja como as sombras são.
Seja um verme a roer a própria carne
E quem sabe ainda a carne da pessoa amada
Quem sabe, depois de tudo, dispa-se do pudor
E em alguma víscera encontre um pouco do amor.
Não quero túmulos ou catacumbas
Deixem meu corpo ao céu
As estrelas boêmias hão de me consumir
Beber a minha alma e me redimir.
Quem sabe então se assuma mulher amada
E coloque uma flor em meu corpo frio
Debruce-se e toque o meu rosto
Sentindo da minha morte todo seu gosto.
Quem sabe se entregue a minha boca
Ouça as últimas palavras ainda quentes
E mate-se em seu sonho mais forte
A fim de nascermos juntos no amor da morte.
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