Daniel Campos

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Carta de Pero Vaz de Caminha

Nobre rei de Portugal
Escrevo-te esta carta
Para dizer e bendizer:
A mulher recém descoberta
É terra pura
Virgem e fértil,
Todos seus sonhos
Nascem, brotam, vingam
Pelo seu corpo
Abençoado
Por deus
E todos os santos.

Eu, capitão-mor da frota
Descobri-lhe
Desbravei-lhe
Gritei alto do alto do convés:
Amor à vista,
Eis aqui o súdito
De vossa alteza

Depois de voltear as Canárias
Depois de navegar dias e dias
Com calma e alma
Entre os dentes
E as serpentes
Das ilhas de Cabo Verde
E de São Nicolau
Cheguei até suas terras
Nas oitavas de Páscoa

Pela silhueta deste país mulher
Encontrei ervas e aves
Grandes arvoredos
E montes altos, terra de chão
Lancei meu prumo em teu corpo
E espantei-me:
Quantas braças de desejo
Quantas léguas de paixão

Nas encostas fêmeas lancei âncora
Encontrando-lhe nativa
Parda e nua
Trazendo arcos nos cabelos
E seu mar quebrava nas minhas costas
Pelo seu corpo naus e continhas miúdas

Velejei pelo seu corpo, encontrando seus recifes e portos
Lhe encontrei de bons rostos e bons narizes, bem feitos
De grande inocência
Cabelos corredios
Nua, só com um colar de ouro no pescoço

Tochas se acenderam e nós nos encontramos
E houve trocas de oferendas
Castiças, vinhos e taças
Encontrei-a quartejada de cores
Não houve fala ou entendimento,
Apenas acenei
E ela me silenciou
E as mulheres da minha terra se envergonharam por não terem suas feições

Durante o passar dos dias
Para chegar até ela
Era preciso barco ou nado
Eu a levei missa e sermão
Ela colocou meu rosário no pescoço, nos pulsos, nas pernas
Esfregou as contas em seu sexo
Não sabia contar ou rezar
No entanto, tinha muita devoção

Eu a ensinei a cruz
Ela me ensinou a entrega
Tinta de tintura pelos peitos e costas e pelos quadris
Coxas e pernas
A água não comia sua tintura
Nem desfazia sua intenção
Andamos pela areia e cascalho
Toquei gaita
Fomos buscar marisco

Não quis tomá-la a força
Nem fazer escândalo
Mas sim amansar e apaziguar
Aquele coração
Deixando-a de bom grado
Meus sentimentos degradados

Ela dançou
Sem me tomar pela mão
Não tinha casa ou moradia
E ao ar livre se fazia como tal
Deu-me arcos e setas
Cascavéis, papagaios vermelhos, penas
Não entendia sua fala, nem ela a nossa

Ela não era de lavrar ou criar
Alimentava-se de sementes e frutos que a árvores a ela deitavam
Seu sol era grande, imenso
Suas árvores tinham uma tinta vermelha
E eu a observava
E eu a abraçava
E eu conquistava
Suas águas infinitas
Suas terras extensas

Pelas minhas linhas
Terem se transformado em versos
E por ela ser muito bem servida
De belezas naturais
E sentimentos ainda não descobertos
Troco os beijos nas mãos de Vossa Alteza
Pelos beijos no corpo aborígene.


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