Daniel Campos

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Canaviais

Gemidos de facão
Escorrem com doçura
Sobre as mãos
Que sangram calejadas
O açúcar.
O açúcar
Nas calças rasgadas
Nos braços rabiscados pelas folhas
Nas camisas manchadas
Descosturadas e remendadas
De sangue...

O sol invade sem alarde
Chapéus de palha mal-traçada
Lenços coloridos em preto e branco
Que não projetem a alma
E desvirgina a pele
Que se atordoa e se auto-perdoa
No suor amargo e frio,
Suor que escorre pela face indefinida
Que arde nas feridas
Expostas, imaginárias
Arde na dor
Que consome e redime
Aquela carne fraca...

Os pés descalços
Rumam contra espinhos
Seguem como se fossem tratores
Aquém de rancores ou amores...
O facão de pai pra filho
Finda a infância
Nas mãos crianças
De olhos cegos ao amanhã,
Crianças que engolem o choro
Do cansaço, do sofrimento
No desconsolo do choro da fome...

Tantas pessoas no silêncio solidão
Que só escuta
Mãos perdidas em fuligem
Cortando a cana
Derrubando a cana
Velando a cana
Chorando a cana
Tomando a vida
Da cana.

Num gesto bruto
De um braço rústico
Impregnado de emoção
Num canto triste
Que contagia os anus
Que descem ao solo
À terra deserta
Coberta de estilhaços
Folhas e bagaços
Numa degeneração natural...

O anu
Parado
Sem destino traçado
Quieto
Entre tantas memórias
Esclerosadas
Naquela terra
Onde
O suor
O sangue
E o açúcar
Se encontram
E juntos
Escorrem nas cicatrizes
Das mãos sem raízes.


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