Cálice fundo
Quando se fez noite, desfez-se o drama
Quando tudo ficou quieto, de todo, quieto
A vida que existia lá fora
Tão quieta e imóvel
Aos poucos deixava de existir.
Os que andavam em busca de algo... pararam
Os que bebiam fugindo de alguém... pararam
Os que sonhavam nos delírios de si... pararam
Pararam em face da mulher que nascia
Nascia nos seios frescos da noite
No toque das mãos no ventre do piano
Na sangria dos que não se contentam
Em simplesmente olhar nos olhos da vida,
Mas precisam desnudá-los de todas as vestes
De todo o cheiro
De todo o pecado amaldiçoado de perdão,
Precisam desnudá-los e ficarem nus com eles
Deixar os sentimentos correrem um a um
E escorrerem ao longo das pernas
Como um leite quente e de sabor indistinguível
Escorrer sobre as pernas sutis e cegas
A fim de se acabar no chão
Se é que existe chão nesse território banido dos mapas.
De joelhos por sobre os sentimentos
E ao sorver de sua pele
Será dor e prazer, talvez ambos,
Na solidão de um só.
Ah! Sentira luas, canções, flores
Embarcações sem rumo
E nomes sem rostos (e vice-versa)
Revolvendo a pele
Como um solo descampado e fértil.
E quando estiver nua
Deitada por sobre estes sentimentos
Sentirá o desejo de bebê-los em cálices
Como se nunca tivessem deixado
O seu corpo
E então, quase, pelo avesso
Olhará a morte
E talvez os olhos não encontrem a lua
Num primeiro momento
E de repente, o espanto e a ânsia
De vê-la
Solta no céu,
Céu escuro de estrelas quietas
Fá-la-á a encontrá-la
Despida e despudorada
No fundo de seu cálice.
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