Daniel Campos

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Bodas de algodão

Um ano onde o amor
Amor maior amor
Depois de ensaiar
Tantos planos
Depois de atravessar
Tantos oceanos
Aporta na porta
De um coração de pano,
Coração de algodão,
E se faz amor
Amor ainda maior amor.

Um ano de uma verdade
Absoluta
Um ano de uma saudade
Que quando distante
Fere a criatura amante
E menina e infante
Machuca.
Um ano de uma vontade
Abrupta
De ficar perto
E mais perto
E mais que mais perto
Deste feto
Chamado amor
Amor maior amor.

Um ano onde na grota
Do deserto de mim
Uma flor de carmim
Brota
Num oásis de afeto
Como meu doce predileto
Num sabor
De morango com patchouli.

Um ano
Onde a tristeza foi embora
E eu nem vi.
Um ano onde o tempo de amar
Não é mar de passado
Nem lar de futuro
É um tempo agora
Agora, a hora de se gostar.
Um ano
Lado a lado
Na luz da brisa
Salpicada de faróis
Na noite escura que se alisa
Debaixo dos lençóis
E se imortaliza
No romance de dois românticos
A sós
Com seus amores em cânticos.

Um ano
Namorando
Perdendo-me e me achando
Nos braços do vento frio
Na praça do hotel nacional.
Um ano
Namorando
Começando e me acabando
No longo corredor vazio
Do conjunto nacional.

Um ano de fundi
E de todo frenesi
Do arrepio
Do iogurte lambuzando
Nossos corpos
Ao som de dois porcos
Rosas dizendo I love you
E o suspiro dobrado
Redobrado
De risos
Vindo de um prazer
De um prazer maior
Do que o juízo
Do sofrer.

Ah! Se amar é doer
Descobrimos um outro jeito
Nesse ano cheio de trejeitos
Sujeitos
A um amor que é tanto
E, no entanto, é demais
Para caber em um ano.

Um ano de beijos
E desejos
De furor
E também
De calor.
Um ano de beijos
E desejos
Que se sabem
Tão bem
E mal cabem
Numa mesma canção
No dois pra lá e pra cá
Da ilusão.
Um ano
Onde nos habitamos
Um ano
Onde moramos
Num mesmo vilarejo
Onde todas as ruas
Se acabam em luas
Chamadas coração.

Um ano se apertando
Se colando
Se grudando
Se tatuando
Como sonho de criança
Como a última esperança
Que esperou
Que sonhou
E chegou
Num amor maior amor
Que veio para ficar
E ficou
Num amor maior amor.

Um ano
Que veio para marcar
E marcou
Um amor maior amor
Que veio para amar
E amou
Um ano
Amando a tua ternura
Chorando a tua procura
Gozando a nossa loucura.

Um ano
De corpos girando
Se dando
Feito anjo travesso.
Um ano
De corpos rodando
Virando
Pelo avesso
De nossa tontura
E pelo começo
Da nossa mistura.

Um ano
Amando
Chorando
Gozando
Se dando
Rodando
Virando
Nascendo
E morrendo
Crescendo
E se dando
Papel e caneta
Ela estrela
Eu luneta.

Um ano
Embalando
A confissão
De um deus
Pagão
Que acreditou
Na nuance
E sonhou
Um romance
Entre os hebreus
E os fariseus.

Um ano onde a escritura sagrada
É um ramalhete
Um ano onde a fé é um foguete
Em noite de São João
Um ano onde a namorada
E o namorado se amam no happy end
De um conto de fada
Que tende
À leveza e à beleza
De uma plantação
De algodão.

Um ano de corpos
Se enlaçando
Se misturando
Se entregando
Entre sopros
E suspiros
Como um vírus
Na chama do dia-a-dia
Na cama em hemorragia
Na mais suburbana
Das alegrias
Na mais divina e profana
Das fantasias.
Um ano de beijos no cinema
De beijos em versos de poemas
De um amor maior amor.
Um ano de beijos de cartão postal
De beijos nas águas do lago paranoá
Um ano de beijos
Que rugem
Na tentação
Dos nossos desatinos.

Um ano
Arranhando
Mordendo
Tomando
E me vendo
Passar em teu passo
Como um pássaro
De colo
Como uma semente
Que semeia teu ventre
Feito solo
E cria um emaranhado de raiz
E tem certeza que é imperatriz
Porque lhe contaram
E lhe enganaram
Que um imperador
Sempre é feliz
Em teu amor.

Um ano de alucinações
De carruagens
Carnais
E de outras tantas viagens
Espirituais
Um ano
De beijos nos portões
Das constelações
Que caem do céu
Cadentes
Dolentes
Ferventes
Como sexo e mel.

Um ano
Aspirando
O teu perfume
De notas de piano.
Um ano
Disfarçando
O meu ciúme
Escalando
O cume
Deste amor
Maior amor.

Um ano
Apanhando
A flor do sol
Imitando
Um rouxinol.
Um ano
Costurando
Um coração
De pano,
Um coração
De algodão
Um ano
Um ano
Um ano.

Um ano
Confessando
Provando
Suspirando
Falando
E gritando
Eu te amo
Eu te amo
Eu te amo.


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