21/11/2009 - Vida além da vida
Nem na rua São Miguel, nem no mercadinho, nem no brechó da igreja São Benedito... ninguém mais a viu em lugar algum. Dizem que ela descansou; que partiu cedo demais; que finalmente encontrou a paz. Há um ano dona Adélia, brasileira filha de italianos, casada há mais de cinqüenta anos, mãe, avó e bisavó, dona de casa e ministra da Eucaristia de Nossa Senhora de Monte Serrat desapareceu. Curiosamente, ela deixou todas as suas roupas, os seus sapatos e, até mesmos, seus óculos arredondados. Nem mesmo a aliança levou consigo. Corajosa, quis partir completamente livre para dar início a uma vida nova.
Por essa terra azulada ela ainda é encontrada em alguns pensamentos, em algumas datas especiais e em algumas coisas que a lembram diretamente. O seu jeito, o seu perfume e os seus dizeres ainda estão impregnados em alguns lugares. No mais, a vida daqueles que ela deixou segue normalmente. A de alguns, piorou; já a de outros, melhorou. Ninguém mais a viu. Ou melhor, quase ninguém. Há notícias de que ela vive sozinha em uma casa simples com algumas flores no jardim. Continua freqüentando suas missas e levando uma vida discreta, com a diferença de que agora ela sabe de tudo.
Quando longe, a vida é vista sob uma nova forma. E um ano foi tempo suficiente para ela conhecer, de fato, as pessoas que ela sempre conviveu. Durante esse período o filme de sua vida passou, na íntegra e sem cortes, por diversas vezes diante de seus olhos pequeninos. Ela sofreu muito, mas se recupera bem. Está inclusive mais leve e, pasmem: corada. Há alguns meses ela fraquejava diante da saudade. Hoje, está convicta de que é preciso olhar pra frente. Ainda há muito a fazer. No mais, gostou de reencontrar algumas pessoas, de conhecer outras, enfim, de começar de novo.
Eu não queria que fosse assim, mas foi o melhor para ela. Afinal, depois da missão cumprida é preciso colocar os pés na estrada. Toda despedida é dolorosa, mas dependendo do caminho a seguir se tem muito a ganhar. Um ano depois de seu sumiço, dona Adélia já colhe os primeiros frutos da nova safra. Ao contrário de lágrimas ou de lamentações, hoje lhe dou parabéns por tudo o que ela foi e, sobretudo, pelo que se tornou após esse um ano de vida além da vida.
Observação do autor: Há um ano morria Adélia Coser Barbosa, uma avó e tanto.
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