Daniel Campos

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Versos tatuados

Não sabia as horas, tampouco a data. Sabia apenas que o céu, como se de luto, cobria-se de negro e que aquele era o melhor momento para encontrá-la. A mulher, de sorriso leve, pouco a pouco, tornava-se mais a vontade diante dos olhares de algas marinhas que lhe olhavam do espelho. A cada novo encontro, o sorriso parecia mais leve e os olhares mais surpresos.

Na beira do cais, nos campos de girassóis, na rua mais famosa da cidade, num quarto escuro... Não havia lugar certo para se dar o encontro. Depois de quebrar todos os relógios e rasgar todos os calendários, ninguém mais tinha consciência se ela se atrasava ou não... Eu, uma embarcação a deriva no tempo, apenas navegava em suas ondas. Ela, o próprio tempo.

Sem alardes, ela surgia. No início eu a chamava por meio de palavras. Tantos poemas. Mandei linhas e versos para tantos endereços na tentativa de encontrá-la. As palavras se molhavam em tantas enxurradas. Estampavam as páginas dos jornais. Atirava ao vento para ver se ele me levava até ela. Era inútil. Ela não lia correspondência, nem jornal, não dava ouvidos ao vento e nem gostava de chuva.

Mas mesmo assim ela aparecia. E sabia dos poemas. Ela os lia em mim. Como se estivesse escrito nas minhas costas, nas minhas pernas, em minhas mãos. De uma forma ou de outra, ela sabia os sentimentos. Pudera, cansei de invocá-la. Nas páginas de papel. No rosto da lua. Aos pés da santa. Hoje, uma infinidade dela se amontoa em minhas gavetas.

Por muitas vezes, eu me fechei naquelas gavetas. E me misturei aos seus traços e revivi tantos momentos. Alguns reais, outros fictícios. Hoje, não sei o que resta dela e o que sobra de mim.


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