24/03/2008 - Um pássaro que não passa
Um pássaro pousou na minha varanda. Entre variações de amarelo e cinza, ele era baixinho e até um pouco barrigudo. Com olhos adocicados e parados no ar, olhava para mim como se me conhecesse. Querendo me cumprimentar, estufou o peito e cantou em tom caipira. E isso não foi tudo. Em cima de uma gaiola vazia de um periquito que fugiu com uma beija-flor, ele começou um caminhar dançado. Dois para lá, dois para cá, o pé batendo aqui e ali. Um vento norte chegou trazendo o som de uma sanfona e de batidas de palma. Belisco-me para ter a certeza de que estou acordado. Afinal, o tal pássaro dançava catira diante do meu nariz.
Parecia querer me dizer alguma coisa. Estava inquieto. Voava pelo quarto em rodopios e voltava para a varanda. Ao contrário de outros pássaros, este não tinha medo de mim. Será que queria ajuda ou comida? Se aquele passarinho é quem eu estava pensando, ele iria adorar um prato de arroz branco. Mas dessa vez ele não queria comer. Apenas ficar perto. Não sei qual o teor da sua crença, caro leitor, mas tenho absoluta certeza de que aquele pássaro era meu avô. Será que depois que as pessoas morrem elas viram pássaro? Eu já ouvi dizer que viram estrelas, árvores, borboletas... mas pássaro? Se bem que, gozador como meu avô foi, deve ter virado um desses pássaros bem arteiros.
Eu que já conversei com tantos outros pássaros não tinha razão para não conversar com aquele. E poesia é linguagem universal, entendível em todos os reinos animais, vegetais e minerais. Até mesmo as pedras entendem poesia. Que o diga as pedras no meio do caminho de Carlos Drumonnd. Eu falava um verso e a ave cantava outro. Ficamos proseando até que ele voou e pousou em meu ombro direito, como que me dando um abraço. Sem querer falar mais nada, voou. O dia ficou quieto. O vento foi embora e levou consigo as palmas, as sanfonas, os risos das piadas que ele gostava de contar.
Depois de ter feito uma travessura vindo me ver, deve ter voado para junto de outros pássaros conhecidos. Afinal, aquela ave, por simpatia e vocação, não nasceu para ficar sozinha. Tinha o céu imenso e milhares de pássaros amigos para voarem com ele. E ele voou com a mesma calma e a leveza que dirigia seu táxi. Não perdendo o hábito, fez uma corrida, levando em suas asas uma passageira muito conhecida de nós dois - a saudade. Uma passageira, que ao contrário do que diz a palavra, não passa.
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