Um caipira em extinção
Martim-Francisco é um daqueles lugares onde a vida acontece de forma mais bonita. Andar sem se preocupar com o horário do próximo engarrafamento, escutar um galo cantar como uma moda caipira, pegar fruta madura no pé, conversar à sombra de alguma árvore. Num ritmo de trenzinho caipira, como se a vida acontecesse numa boa prosa, à vida passa num ritmo mais calmo e, principalmente, mais saudável. E Mogi-Mirim tem esse oásis caipira chamado Martim-Francisco. Só que essa tranqüilidade, essa vida que qualquer morador de cidade grande seria capaz de pagar para ter, está ameaçada. Os ares simpáticos de Mogi-Mirim podem se tornar só uma lembrança.
Tudo isso por culpa de um projeto, aliás, um megaprojeto, que antes de qualquer coisa, assusta. Um aeroporto gigantesco e cento e cinqüenta indústrias instaladas a menos de dez quilômetros do centro da cidade. Quem se encanta com o projeto, esquece-se que ele terá o impacto de uma bomba atômica. Imaginem cento e cinqüenta indústrias caindo do céu, sobre árvores, rios, pessoas.
Milhões de árvores serão derrubadas. Numa época em que se discute o problema da falta de água nos próximos anos, deveria se pensar como irão ficar as nascentes com aquele concreto todo, com aqueles resíduos todos. Quantas as pessoas que vão sofrer com isso? Entre efeitos em curto prazo e em longo prazo, a resposta é incalculável. Num primeiro momento, as vidas daqueles lavradores que se casaram com a terra seriam atingidas em cheio. Num segundo momento, nós sofreríamos as radiações dessa nova Hiroshima. Quem me achar de um sentimentalismo besta é porque nunca testemunhou um agricultor contar sua história através dos calos das mãos, ou nunca acompanhou os olhos de um agricultor diante da lua, ou nunca se emocionou diante de um agricultor que se ajoelha na terra para pedir chuva.
Antes que falem do emprego que essas indústrias irão trazer, eu não sou pessimista, mas se elas são indústrias de ponta como dizem, modernas e computadorizadas, elas hão de precisar de meia dúzia de técnicos especializados. E alguém acredita que essas pessoas serão daqui? Mas e para construir a indústria? Para construir essas indústrias, virão aqueles paus-de-arara cheios de miseráveis. Gente que trabalha pesado em troca de poucos reais por dia. Um trabalho subumano que dá cria a uma vida favelada. Vejam o que aconteceu na nossa capital federal. Nem Juscelino nem Niemayer nem Lucio Costa contavam que de uma Brasília, rica e pós-moderna, nasceriam tantas outras brasílias paupérrimas e sem charme.
Por falar nisso, essa vinda de centenas de trabalhadores braçais, acompanhados de suas famílias, vai causar um inchaço urbano. Talvez inflem o Jardim-Planalto, que já sofre por mau-planejamento, talvez migrem para a periferia, ou talvez ergam uma favela própria que a prefeitura vai dar um nome bonito. Por conseqüência do aumento desordenado da população, a violência vai aumentar. Mogi-Mirim já vive uma onda de violência, roubos, assaltos e não tem cadeia. O aumento da população e da poluição irá gerar um maior fluxo de doentes no hospital que, certamente, não vai comportar a demanda. Vai aumentar também a desigualdade social. Uma cidade de milhares de miseráveis e dezenas de investidores europeus.
Contrapondo a suposta arrecadação de impostos que a cidade terá, tem-se a pergunta: quantos benefícios essas indústrias vão ter. Não precisa pagar isso, não precisa pagar aquilo, em troca, fiquem aqui. Essa é a conversa. Indústrias não são boazinhas, não ficam aqui por que gostam da paisagem, ficam onde pagam mais, ou onde, elas podem pagar menos. Exemplo clássico é a Ford que trocou o Rio Grande do Sul pela Bahia, por causa dos benefícios oferecidos. No fim, quem paga para essas empresas ficarem aqui ou ali, somos nós. Coisas do capitalismo.
Pense no transtorno que vai se transformar a cidade. Mogi-Mirim e o caos. Aviões barulhentos passando rasante nos nossos telhados. Pense na poluição das chaminés das cento e tantas indústrias. Se uma indústria que nem é nossa já enche a cidade com um cheiro horrível, imaginem o cheiro da fumaça de cento e cinqüenta indústrias. Imaginem a quantidade de elementos tóxicos que essas indústrias irão trazer. Gases, partículas, combinações químicas extremamente perigosas aos mogimirianos. Ou melhor, não só a nós, mogimirianos, mas a todas as cidades da região.
Ao contrário do que falam por ai, a maioria dos proprietários não querem vender a terra. Alguns convivem com a terra há mais de cinqüenta anos, outros têm família grande e com o dinheiro proposto pela venda não conseguiriam para comprar uma casa na cidade que abrigue toda a família. Pense no drama dessa gente. Não são grandes fazendeiros, são sitiantes pequenos que lutam para manter a terra com sacrifício. Os proprietários não merecem ter a sua vida ameaçada dessa forma. Proprietários que são tratados com desprezo.
Eu não sou contra o progresso de Mogi-Mirim, sou contra o progresso sem planejamento, sem controle, sem sentido, aquele que tem um impacto de uma bomba atômica. Concordo que a cidade precisa se desenvolver, mas não concordo que ela seja a cobaia de um projeto megalomaníaco. A cidade simpatia não pode ser engolida pelas caldeiras das indústrias. Indústrias que ninguém sabe o que vão produzir. Ninguém tem certeza se são indústrias de ponta como falam ou se são indústrias pesadas. Indústrias de ponta vão para as beiras das grandes estradas, não ficam escondidas no meio do mato.
Eu sou humano. Antes dos interesses mesquinhos, eu penso no humano. Penso naquele agricultor que vai chorar ao ver um a indústria brotar do chão onde antes brotava uma roça de milho. Agricultor que vai ser escorraçado da sua própria terra. É uma violência. Pense leitor que um determinado corretor chegue até você e queira comprar a sua casa, pagando o que bem entender e lhe estipulando um prazo para deixar tudo para trás, porque ali vai ser um condomínio industrial. Penso nos mogimirianos que vão ter a sua vida ameaçada pelos problemas das grandes cidades, sendo Mogi uma cidade pequena. Uma cidade que será engolida pelas indústrias e pelos problemas trazidos por elas.
O progresso deve existir para beneficiar a cidade e não meia dúzia de engravatados. Se bem que uns nem usam gravatas. Acima de qualquer interesse eleitoral ou comercial, deve estar o interessa da cidade. E alguém já parou para ouvir o que a cidade pensa. Eu defendo que esse projeto seja debatido não só com Mogi-Mirim, mas com todas as cidades da região. E nesses debates, a presença de técnicos neutros.
Dizem que o governador está ao lado do projeto, mas eu gostaria de saber se o governador sabe o que é o projeto, de fato. Alckmim tem planos eleitorais grandes e não gostaria de assinar o atestado de óbito de uma cidade. Gostaria de saber o que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, pensa do projeto. Gostaria de saber o que os ambientalistas do Greenpeace e da WWF acham do projeto.
Se o projeto vier a sair, que saia com caráter. Que seja fiel ao compromisso de bem estar para a cidade. Quem defende a instalação do mega-projeto do jeito que está é porque tem outros interesses ou porque não sabe das coisas.
Esse papo de Mogi-Mirim ser a cidade das indústrias não cola porque a cidade tem mais da metade do seu território destinado à área rural, segundo o IBGE. Por que não se investe na agricultura? Será que ninguém nunca vai investir na agricultura. Como exemplo, basta ver as estradas rurais. Basta ver se as autoridades sujam o sapato para saber o que os agricultores precisam. Por que não se faz um mega-projeto de cooperativas rurais.
O partido que eu tomo é o de Mogi-Mirim. Que isso esteja claro, estou do lado do que é melhor para a cidade. A cidade em primeiro lugar. E se alguém não acredita em nada do que eu disse, eu convido a fazer uma visita a Martim-Francisco. Passar algumas horas em Martim-Franciso onde o clima mogimiriano se faz mais forte. E quando entardecer olhe para o pôr-do-sol e imagine aquelas cento e cinqüenta indústrias com suas chaminés e aqueles aviões barulhentos. Depois disso, veja se eu não tenho razão de estar preocupado. Afinal, sou um caipira à beira da extinção.
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