Trabalho Carcará
Lembra do dia
Que o trabalho lhe venceu
Ao podar sua vida
Lembra do seu filho que chorou
Porque disputou
Um campeonato e perdeu
Sua torcida
Lembra da especialização
Daquela pós-graduação
Que você tanto sonhou
E não pode fazer
Lembra do quanto deixou de crescer
Porque o trabalho roubou
Horas e horas do seu prazer
Ah! Trabalho carcará
Pega, mata e come
Ah! Trabalho carcará
Sacia tua fome
Comendo dia a dia
A inteligência do trabalhador
A sobrevivência do sonhador
Quanto do seu tempo ainda é seu
Quanto do seu tempo se perdeu
Nos últimos anos
Na rotina das repartições
Na barbárie dos patrões
Que num cálculo desumano
Rima horário com produção
Lembra dos seus planos
Quantos livros ainda lê
Quantos filmes ainda vê
Quantos passeios ainda faz
Quantos sonhos já não sonha mais
Você ainda tem asas
Ou já castraram suas vontades
Ou já moldaram sua criatividade
E de um segundo lar
O trabalho se transformou
No seu cárcere particular
Se você se identificou com o poema acima, no fundo, por um momento que seja, já deve ter pensado em ter uma jornada de trabalho mais justa e produtiva. Desde a filosofia de Hegel, essa discussão ultrapassa séculos e se mantém viva nas necessidades e possibilidades do mundo contemporâneo. Você já pensou em quantas horas perdeu ao longo da vida em uma jornada improdutiva? Em quanto tempo você poderia fazer o que faz em oito, sete, seis horas diárias? Quanto desse tempo perdido você poderia ter dedicado a sua formação profissional, a sua família, a sua qualidade de vida?
Já em 1932, o filósofo galês Bertrand Russel disse que "o caminho para a felicidade e para a prosperidade consiste numa diminuição organizada do trabalho". Mas o que se fez ao longo do tempo para buscar-lhe uma nova forma, mais bem distribuída, mais prazerosa, mais leve? Olhe a sua volta. Nos filmes de ficção científica da década de 70 e 80, falava-se do trabalho depois do ano 2000 como algo virtual. Enfim, as previsões levavam a um trabalho mais organizado: feito em casa, conciliado com o mundo exterior e consumindo poucas horas/dia. A comunicação avançou, mas a estrutura do trabalho não acompanhou essa evolução.
Embora a internet, o notebook, o fax e o celular liguem você ao mundo, as empresas utilizaram essas ferramentas, em sua maior parte, não para diminuir o trabalho, mas para aumentar a jornada e o controle sobre o trabalhador. Hoje o trabalho não quer os seus braços, o seu suor, o seu fôlego, ou seja, seu esforço físico. Hoje, o trabalho quer mais. Quer a sua inteligência, a sua criatividade, a sua imaginação.
Com isso, a distinção entre casa e trabalho fica imperceptível. Hoje, as empresas escravizam o trabalho intelectual. Você consegue se desligar do trabalho depois de bater o ponto diário? Aonde acabam os limites entre sua vida dentro e fora do trabalho? Se essas perguntas angustiam, as suas respostas angustiam mais ainda. Mulheres morreram em busca de uma jornada menos desgastante. Crianças foram violentadas em seu direito de ser criança por uma jornada menos voraz. Quantos trabalhadores foram condenados à prisão e à forca por brigarem por uma jornada menos degradante.
Em um cenário de muita luta, na revolução industrial alguns empresários descobriram que uma jornada de 10 horas diárias e cinco aos sábados eram mais produtivas do que uma de 12 ou 14 ou 16 horas. E hoje, qual é o ideal? 8h? 6h? 4h? 2h? Segundo pesquisas, os trabalhadores públicos da Itália trabalham em média 1,5 horas por dia. O horário médio de uma jornada na França é de 2 horas e 31 minutos.
Estudos comprovam que uma transformação pode ser feita na jornada em favor da produtividade. Trata-se de buscar uma nova forma, mais bem distribuída, mais prazerosa, mais leve. É preciso buscar uma jornada que, acima de tudo, reflita um exemplo ético para os nossos filhos, já que o trabalho hoje é uma busca de identidade. Da própria identidade. Afinal, uma jornada improdutiva e injusta não pode formar um cidadão produtivo e justo.
Além dos visíveis, há ainda os custos invisíveis da má distribuição do trabalho. O estresse custa à Grã-Bretanha 20 bilhões de reais em tratamento e 40 milhões de dias de trabalho por ano. Um estudo do MIT (Massachusetts Institute of Technology) calculou que a depressão, em grande parte ligada ao trabalho, custa aos Estados Unidos 47 bilhões de dólares por ano.
O aumento da jornada pode provocar uma série de prejuízos psicológicos e físicos que afetam a saúde do trabalhador, bem como a perda de todos aqueles componentes salariais dados em retribuição à flexibilidade do "escravo", ao tempo por ele dedicado à empresa e à sua cumplicidade com ela. No que se refere às horas trabalhadas e à produtividade, é evidente que as longas jornadas são um desperdício e acabam desmotivando o trabalhador em um longo prazo, contribuindo assim para um quadro de depressão.
O Japão é o único país do mundo onde existe uma palavra para definir a "Morte por excesso de trabalho": KAROSHI (KARO quer dizer excesso de trabalho e SHI, morte). Olhe a sua volta e se assuste diante do número de vítimas do KAROSHI. Leve em consideração os que morreram de fato, e os que agonizam. Quantos os escravos de seus trabalhos, de seus salários, de suas rotinas estafantes e inquietantes.
Após ler esse texto, olhe sua imagem no espelho mais próximo. O que você vê? Se a resposta for algemas, correntes, grilhões... está na hora de dar um basta. Um basta antes que seja tarde, afinal o trabalho carcará, pega, mata e come.
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