Solidão a sós
Tem dias em que a solidão amanhece em nossas veias e é levada a todo o nosso corpo. A solidão corre nas pernas. Corre no fundo das vistas. Corre pelas costelas. Infesta um a um dos órgãos. Então, vem uma vontade de correr. Correr para longe de si mesmo. Uma vontade de entrar atrás da geladeira, debaixo da cama, dentro das gavetas. Como se quisesse esconder de si próprio. E ao abrir a janela, o mundo de tão grande parece lhe violentar. Como se a solidão fosse uma espécie de vampiro que, para sobreviver, precisa ficar no escuro.
A porta se abre. Uma vontade de conversar com o porteiro sobre aquele jogo que você nem sabe; sair pela rua falando bom dia para qualquer pessoa, independente de sexo, idade, cor, classe, língua. Uma vontade de sair abraçando árvores. De entrar num estádio de futebol só para ganhar um abraço na hora do gol. Uma vontade de ligar o rádio só para ouvir vozes e, de repente, começar a conversar com o cantor. Uma vontade de ligar para todas as pessoas da agenda. Uma vontade de convidar o garçom para almoçar contigo. Vontades.
A solidão multiplica as nossas vontades. Esbarrar em alguém só para poder pedir desculpa. Ir a um café, sentar-se ao lado de alguma mesa que converse muito e imaginar que você faz parte daquela conversa. Entrar em lojas, supermercados, só para ter o prazer de ouvir: você precisa de alguma coisa? E você faz a menina descer prateleiras e prateleiras só pelo prazer de ter alguém para lhe dar atenção. Pegar um táxi e ficar rodando a cidade só para puxar conversa com o taxista... E depois descer no mesmo lugar.
Ir ao médico só para ouvir o diagnóstico. Confessar com um padre e logo depois entrar num culto evangélico só para alguém lhe chamar de irmão. Vontade de reclamar com o vizinho, só par arrumar motivo para render assunto, como implicar com os latidos do cachorro que ele não tem... Vontade, de mesmo de chinelo, pedir para o engraxate lustrar seus sapatos. E depois, quando chegar novamente em casa, uma vontade de correr para os espelhos do banheiro e se arrumar todo para receber uma cesta de queijos e vinhos que você mesmo enviou minutos ou dias antes. E ao degustá-los na varanda, sentir-se aliviado por estar na companhia das estrelas.
Comentários
Nenhum comentário.
Escreva um comentário
Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.