Daniel Campos

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19/10/2008 - Sobressalto sem pára-quedas

O avião se preparava para correr asfalto. O trem de pouso se esticava na lentidão dos braços e pernas daquela mulher, que dormiu durante mais de três horas de vôo. Conheceria uma cidade nova, uma gente nova, um clima novo, mas só pensava mesmo no velho amigo que morava por ali. Será que ele já chegou? Será que ele vem mesmo me buscar? Será que ele vai gostar de mim? Mais de dez anos sem se ver e, quiçá, se falar, aquele possível encontro havia sido mais do que provocado. Não imaginou outra coisa nas últimas semanas. E como essas semanas demoraram a passar...

Ela veio para uma competição de pára-quedismo, estava em quarto lugar no ranking do torneio nacional. Quando eles se falaram pela última vez, ela morria de medo de altura. Muita coisa mudou. Será que ele havia se casado, tido filhos, amantes??? Será que ele finalmente realizara seu sonho de morar em um barco? Ah! Sua voz estava tão estranha no último telefonema. Foram apenas dois telefonemas até que ela, praticamente, o obrigasse a buscá-la. Mais do que uma insinuação, um pedido. Mais do que um pedido, uma ordem. A menina tão implícita explicitou-se de tal forma que chegava a assustar. E o que seria da timidez que os impediu de trilhar uma estrada em comum?

Os outros sempre disseram que eram namorados, que eram feitos um para o outro, que eram mais do que amigos, mas o tão alardeado romance jamais decolou. O máximo que ocorreu foram alguns olhares, tão logo interrompidos pelo medo do que viria adiante. Querendo mudar esse cenário, ela veio acompanhada de mochilas que continham roupas mais do que necessárias para passar a vida toda ali, se preciso fosse. A ansiedade era tanta que chegou a pedir um chá de alecrim para a comissária de bordo. Como não era possível atender seu pedido, tomou um suco de maracujá diet e tentou dormir em paz. Mas sonhou, teve pesadelo, caiu da cadeira. Estava aflita. Era a turbulência em pessoa.

Apostava todas suas fichas no encontro, por isso a aflição. Queria mesmo era chegar de pára-quedas, caindo à frente dos olhos assustados de seu amigo. No entanto, teve medo de pousar e ele não estar lá. Não conseguiria sair das linhas de seu pára-quedas se ele não estivesse ali. Foi ao cabeleireiro, fez as unhas, experimentou tantas roupas e optou por um traje básico composto por shorts, camiseta e sapatilha. Era o modelo ideal para correr rumo aos braços de alguém ou para longe deste mesmo alguém. Tudo dependia da recepção. Aliás, será que existira recepção? Diante de tantas perguntas e hipóteses e suposições, ele a surpreendeu, ainda no saguão de desembarque, tocando em suas costas com a mão fria. Ao virar o rosto, três beijos em bochechas rubras de vergonha a deixaram sem ação.

Diante do inesperado, ela queria entrar em uma das malas, sair rodando pela esteira, ser barrada na alfândega. Antes de olhar diretamente para seu amigo, correu olhares a sua volta, reparando se não existiam namoradas, filhos, amigas... Ah! Como as desejava ali. Mas ele, aparentemente, estava só. O abraço apertado, meio sem jeito, trouxe lembranças. Mesmo que gaga, foi dizendo sobre o perfume importando que ele usa desde a quinta série. Era sua chance de atacar, de reverter àquela situação desfavorável. Mas em um contra-ataque rápido, ele foi enfático ao dizer que seu corpo mudou, mas que a mania de ficar balançando a perna enquanto nervosa havia resistido ao tempo. Uma flor de nervos. Era isso que ela se transformara. Tropeçando nas próprias pernas, foram até o carro. As malas quase tomaram o espaço todo e ele foi mostrando a cidade a ela, que não via a hora de tomar outro avião. Ele a olhava de um jeito diferente e ela se sentia nua. Incômodo. Mal-estar. Desespero. Tudo o que ela pensara, fora por água abaixo. Os ensaios na frente do espelho, o tratamento contra a timidez, as terapias e os florais, tudo fracassou.

Cansada de se surpreender, foi apresentada a tão sonhada casa no barco. Na verdade, um belo iate deslizando sobre ondas de sal. Sob a luz de uma lua envergonhada, foi caminhando pelo cais e quando entrou no barco, deparou-se com música, flores, velas, no melhor estilo romântico. Sem saber o que fazer, pediu para ir ao banheiro. Saiu de lá quarenta minutos depois vestida de inverno ártico. Não sei de onde tirou um casaco de peles, mas foi assim que se vestiu. E olha que estavam em pleno verão de uma cidade litorânea. Não entendendo nada, ele a ofereceu uma bebida e ela recusou. Ele puxou conversa e ela desconversou. Ele tentou um beijo e ela virou o rosto. Ele se abriu e ela se trancou no quarto. Ele bateu na porta e ela não respondeu. Ele gritou e ela chorou. Chorou mais do que podia. E diante da falta de céu, agarrou-se ao chão. E diante da impossibilidade de saltar de pára-quedas, apagou a luz. E diante do maremoto que vivia, desejou que o barco naufragasse antes que aquele amor vingasse.


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