Daniel Campos

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Silva - o sobrenome do brasil (introdução)

Um vento leve soprava as velas de pano das embarcações portuguesas. A tripulação se guiava pelas bússolas e pelas estrelas. Certamente, poucos sabiam sobre as lendas gregas, sobre as constelações. Lendas não importavam para se fazer comércio. Em breve, contornariam a silhueta atlântica da África e partiriam rumo às Índias. Comprariam especiarias, como canela e pimenta do reino, para venderem a preço de outro na Europa. As caravelas cortavam o oceano como facões desbravadores. Antes de avistarem as ninfas cantadas em versos por Camões, o tempo virou.

Em ondas levantou-se o mar, como se ferido pelo tridente de Netuno. O azul do céu foi engolido pela cor negra. Nem o mais experiente dos marinheiros conseguia controlar lemes, velas, timão. O vento que soprava forte dava forma para as ondas e espremia as nuvens. O convés ficou encharcado. Mar e chuva. Os marinheiros rezavam, gritavam, agarravam-se nos mastros e nas ondas. A força das águas queria partir as caravelas ao meio. Os aventureiros portugueses estavam prestes a serem náufragos. Minutos depois, com a mesma brutalidade que veio, ela, a tempestade, desapareceu.

O céu descortinou o sol e as águas se acalmaram. O vento, que havia trocado de direção, era suficiente para levá-las adiante. Quando os marujos perceberam, as caravelas estavam juntas novamente. Com o temporal, as bússolas se perderam no mar. Dias se passaram. Os olhos marujos tiravam a direção das estrelas. Tempos depois, grito de terra à vista. Com tempestade, Netuno havia conseguido embaralhar as estrelas e, assim, afastar aqueles marinheiros das ninfas e os conduzir para outras terras. Terras distantes.

Quando Pedro Álvares Cabral atracou suas caravelas, espantou-se com o território e com os nativos que surgiam diante de suas vistas. Num primeiro momento pensou ser a Índia , depois imaginou ser uma ilha perdida no meio do Atlântico Sul. Os habitantes dessa terra desconhecida eram homens e mulheres com o corpo nu e com o rosto pintado de guerra ou amor. Sem se importar como os nativos se chamavam, chamou-os de índios, por causa do engano. Também batizou a terra desconhecida. Os portugueses chamaram-na de Ilha de Vera Cruz. Essa sensação de ilha sempre foi forte. Depois, Terra de Santa Cruz. Em pouco tempo, conheceriam o pau-brasil, uma árvore que servia para tingir tecidos. A tinta de uma árvore brasileira cobriria o corpo dos deuropeus. Resultado: o território e a sua gente seriam explorados e aquela "ilha", ainda desconhecida, seria chamada Brasil.

Mais de 500 anos depois, julga-se que Cabral não foi o primeiro europeu a se deparar com o Brasil e que a sua descoberta teve caráter cinematográfico, como descrito nos primeiros parágrafos desta introdução. Atribuem o descobrimento a Pizon, em 1496. Mas antes disso, Colombo, em 1492, havia descoberto a América. Por extensão, o Brasil é parte da América. Muitas contradições rondam o descobrimento do Brasil.

Século XXI. O território continua imenso e a sua gente ainda anda nua pelo carnaval. Talvez quando o Brasil é mais nativo. No carnaval, o luxo e a pobreza se misturam na ilusão. É quando um mendigo pode ser rei. Betinho afirmaria que o carnaval é a festa onde o pobre que ganha um salário mínimo pode se divertir causando inveja ao europeu. Mas o carnaval não representa só a ilusão de um paraíso perdido. A miséria faz parte da festa. Joãozinho Trinta colocou a escola de samba Beija-Flor na avenida com um enredo de protesto, no qual a fantasia era rasgado por ratos e urubus. Nesse enredo, o Cristo Redentor, cartão postal do país, viria de mendigo. A festa popular mais famosa do país registrava sua crítica ao modelo social imposto.

Subdesenvolvido ainda é o rótulo do país, com problemas escandalosos como a fome. Caetano Veloso ousa afirmar que o Brasil é um nome sem país. Os portugueses queriam chegar às Índias e encontraram a nudez das nossas índias. A história é fantasiada, mal contada. Os portugueses não chegaram a fundar um país. Apenas deram-lhe um nome de posse. A ele e a sua gente. Apenas nos batizaram. Da mistura de raças e culturas, de forma espontânea, construiu-se a idéia de um país. Um país que foi descoberto ao acaso e que ficou ao acaso.

Oswaldo Montenegro poetiza que "tudo na gente que não morreu, cercado por tudo o que mataram, é uma ilha". A idéia de ilha nos remte para as ilhas sociais que formam o arquipélago que é este país e, por isso, descaracteriza um rosto. Betinho diria que existem três classes no Brasil: os ricos, os pobres e os indigentes. Mas, dentro dessas classes, ainda existem os negros, os brancos. O homem e a mulher. Embora pareça cada vez mais difícil encontrar um elo entre essas ilhas, algo que seja comum a todas elas, nós ousamos afirmar que essa ponte é o sobrenome Silva.

Silva é o sobrenome mais comum entre os habitantes deste território chamado Brasil. Um território heterogêneo de paisagens físicas e sociológicas. Tanto como Silva ou "da Silva", esse sobrenome povoou um país. Talvez essa tenha sido a verdadeira colonização, aquela que deu origem à mistura de raças. São Silva de todos os credos e todas as cores. Silva que passaram pelos engenhos de açúcar com as marcas da cana nas mãos. Silva que trabalharam na mineração e se iludiram com a promessa da riqueza fácil. Silva que zelaram os pés de café que moveram o país. Silva que lutaram e amarraram sobre essa terra. Silva que lutaram e amaram sobre esta terra. Silva que governam o país e que mendigam pelas ruas. O sobrenome Silva é a essência do contraste social visto no país. Por isso, o rosto do Brasil.

Assim, se Caetano afirma que o Brasil é um nome sem país, Silva é o sobrenome que, sem dúvida, concede ao nome uma identidade. Sobrenome que é fruto da mistura de vários sangues. Uma identidade que é concebida através do sangue e não das digitais. O sangue que escorre feito tinta na carne do pau-brasil. O sangue que envolve a pele da criança quando nasce. O sangue real e o sangue simbólico, na construção de uma identidade. Silva ? o sobrenome do Brasil.

O livro é o resultado da descoberta. No primeiro capítulo apresentamos a festa de posse do presidente Lula, um brasileiro cuja origem representa bem o que difundiu ao longo do tempo sobre o Silva: pobre e com pouca escolaridade. A posse de Lula é apresentada como a celebração da esperança de um país que confiou a um Silva a oportunidade de realizar as mudanças que se fazem necessárias no Brasil para que ele seja um território de todos, mas, particularmente, dos mais pobres.

Lula é o quinto presidente da República a carregar o sobrenome Silva. Resgatar a história dos ex-presidentes Silva e destacar os principais feitos dos seus mandatos; levantar a origem do sobrenome em Portugal e a sua chegada e difusão no Brasil; identificar os diversos vultos da história brasileira que também são Silva, é o que fazemos no segundo capítulo.

Além do futebol e do carnaval o Brasil já é conhecido pelo talento de seu povo em muitas outras modalidades dos esportes e das artes. O terceiro capítulo do nosso livro apresenta histórias de Silva brasileiros que deixaram suas marcas nessas áreas.

O quarto capítulo é dedicado aos Silva que compõe o primeiro escalão do governo Lula e que são responsáveis pela construção do Brasil que se pretende diferente, de acordo com o resultado da eleição de 2002, que sinalizou a necessidade de mudanças. José Graziano, Benedita, Marina, Zé Dirceu, José Alencar e Lula aparecem aqui em uma breve biografia.

Mas as histórias de brasileiros anônimos, marcados pelas contradições do país dos Silva, também mereceram nossa atenção. São elas as personagens do quinto e último capítulo. Nas páginas de "Silva - o sobrenome do Brasil" encontra-se não apenas um relato histórico sobre um sobrenome, mas a história real de um povo. Um povo feito de medos e esperanças. Esse livro edifica a idéia da beleza do Brasil enquanto deseja de ser um país.

O livro é um rebento. Assim como o país é um rebento. Gilberto Gil canta que tudo o que brota, que vinga, que medra, é rebento. O livro brotou da vontade de conhecer esse Brasil ainda não descoberto. O livro vingou a partir do momento que fomos ao encontro desse país. E o livro começou a medrar, ou seja, a se desenvolver quando passamos a acreditar neste país. Um país da maioria. Um país com sobrenome Silva.

Observação do autor: Texto de introdução do livro-reportagem Silva - o sobrenome do Brasil.


Comentários

30/03/2011, por cledsam:

Olá Sr. Daniel Campos! Me parece interessante este livro, por acaso existe para venda em alguma livraria? abraço


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