Daniel Campos

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13/01/2015 - Sem sapatos

Tão logo chegou tirou os sapatos e pisou naquele chão frio e translúcido da nascente que ficava nas terras do seu Adelor, um velho fazendeiro que cansado de contar riqueza pendurou uma rede na varanda para de lá nunca mais sair. Bem longe da casa grande e sem pensar no senhor daquelas terras livrou os pés que viviam trancados naqueles materiais sintéticos. Sim, seus pés viviam numa espécie de natureza morta. As unhas, bem feitas, reluziam por aquela água limpinha. E ela caminhava sem culpa por aquele solo que mais parecia nuvem. Sentiu-se livre. E sem emitir som algum, conversou com Deus. Um contato íntimo com a terra, com o mundo, com o universo. Ela, que na maioria dos dias era fogo, viu-se água. E seus pés ficaram doces, seu corpo ficou doce, e até o choro que verteu de uma emoção ainda não diagnosticada caiu doce naquelas águas que tinham uma espécie de mel. Essa espécie de abelha ficava intocada no chão e produzia esse néctar que borbulhava numa água recém-nascida. O velho Adelor não dava importância para aquelas borbulhas, tampouco para o gosto daquela água, pois só tomava conhaque e cachaça de alambique. Já aquela mulher de ossos finos tomava todo o cuidado necessário para não estragar nada. Pisava com zelo. E até para beber aquela água pedia licença ao lugar. Era de uma elegância de cristal. No início, destoava muito, mas pouco a pouco foi se tornando parte da paisagem a ponto de uma garça mais atrevida paquerá-la. Pena que tinha de voltar para os sapatos, para um caso de cara mais ruim que seu Adelor e para a vida salgada de sempre.


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