Daniel Campos

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01/07/2010 - Sem mais rodeios

O peão, com chapéu moldado a cabeça, debruça seu olhar estremecido sobre a arena vazia. A terra remexida ainda geme castigada pelas pisadas dos bois. As musas do rodeio já se foram. As luzes dos refletores baixaram. E o narrador deixou o silêncio pairando no ar. Nossa Senhora apareceu para recolher o que sobrou das preces elevadas a ela. Longe dali, alguns comemoram ou lamentam o resultado num copo de cerveja. Há quem dance, festeje, abrace, beije, mas aquele peão não consegue fazer nada disso tendo os olhos presos à arena. É como se sua história de títulos fosse sepultada naquele chão junto à coragem e à vontade de continuar.

Moendo a sua própria solidão, não quer saber das morenas ou das duplas caipiras que lhe esperam na festa. Não quer desabafar com amigos, tirar fotografias ao lado de fãs ou escrever uma carta para alguém que ficou para trás. Quer apenas ficar ali. Mas precisa ter pressa. Mais uma noite e os caminhões levando aquele circo caipira vão pegar estrada. Pelas suas vistas, a cena de sua performance em cima do touro não cansa de se repetir. Agüentou os oito segundos em cima do boi. Mas depois não conseguiu segurar as rédeas do coração e caiu. Caiu feio.

O corpo já se refez da queda, mas a alma ainda está bastante machucada. Quem mandou se lembrar daquela que lhe fez sofrer por amor bem no momento em que o boi se sacudia todo. Com a mão direita, levantada pro alto, não conseguiu aparar aquela lembrança de mulher, então, tirou a mão da corda trançada, aquela que tem que manter firme, e, numa demonstração de loucura, deu alguns saltos sem se segurar em nada. O boi, impiedoso como o passado, tratou de mandá-lo ao chão. De agora em diante, talvez seja melhor a companhia seguir sozinha, pois o peão, campeão de rodeio, pela primeira vez, tremeu.

É isso que mais o incomoda: saber que alguém ainda é capaz de fazê-lo tremer.


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