17/08/2011 - Sem abusos
Se ela falou, por favor, perdoe. Se ela chamou, sem rancor, voe. Se ela sangrou, dor em dor, doe. Faça uma doação de palavras; crava as unhas em teu céu de manhãs, manhas e mumunhas. Rasgue nuvens, desfie horizontes, entonte estrelas, mas não caia nem traia a lua que ela te deu. Se ela chorou, abençoe o pranto que jaz. Se ela cantou, entoe o encanto que há. Se ela badalou, soe o acalanto de lá. De lá de trás dos temporais escusos, onde a vida se refaz sem maiores abusos.
Depois de sangrar, de badalar, de cantar, surge amena e intensa, como Maria, como Madalena, como que vinda de uma mutação poética. Impossível observá-la de soslaio. Os olhos varrem seu corpo e interrogam cada célula. Os olhos perguntam de um tudo andando de um lá para outro. Vez em quando esses mesmos olhos tropeçam em sua geografia, machucam-se em seus espinhos e confundem seu suor com maresia, seu perfume com vinhos.
Ela deixou a penumbra dos últimos dias de lado e se firmou como amanhecer. Agora, a brisa fina atenua as marcas do saudosismo que vinha talhando seu corpo numa escultura de adeus. O tempo movido por humores e rumores traz sol aos seus pensamentos, que se espreguiçam feito lagartos, e chuva aos canteiros de sentidos e sentimentos que povoam sua existência. A natureza da mulher que tanto falou, chamou e chorou, demais ou sem mais, segue seu curso, entre a flor do mel e as garras do urso.
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