Daniel Campos

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09/09/2011 - Se for

Se for para me tirarem o ar, que seja por meio de um beijo asfixiante. Se for para me tirarem o chão, que me levem para bem alto. Se for para me tirarem o paladar, que me deixem intacto, ao menos, o sabor de um uísque. Se for para me tirarem o brilho, que não matem as estrelas que me habitam. Se for para me tirar a saúde, que minha dor seja nobre. Se for para me tirarem o olfato, que eu não passe incólume pelo perfume dos anjos. Se for para me tirarem o sonho, que me engravidem de ilusão.

Se for para me tirarem a audição, que o façam depois de eu escutar horas e horas seguidas de Tom Jobim. Se for para me tirarem a voz, que respeitem o silêncio de cada “eu te amo” que tenho a pronunciar. Se for para me tirarem a roupa, que minha nudez não seja castigada. Se for para me tirarem o viço, que me alimentem de seiva pelo resto dos meus dias. Se for para me tirarem a memória, que eu não me traia. Se for para me tirarem a fé, matem os meus deuses – todos eles.

Se for para me tirarem o tato, que me permitam tocar a criatura amada, lenta e vorazmente, pela última vez. Se for para me tirarem do prumo, que não me cobrem equilíbrio. Se for para me tirarem a poesia, desistam. Se for para me tirarem a visão, dêem-me à mão. Se for para me tirarem o sono, que povoem a minha insônia com histórias densas e intensas. Se for para me tirarem a verdade, encham-me de mentiras. Se for para me tirarem a honra, que eu não esteja lúcido.


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