25/05/2008 - Saudade junina
Na noite de ontem fui para a quermesse de Nossa Senhora Auxiliadora. Uma comemoração com cara de festa junina. Acabada a missa, as barraquinhas com quentão, canjica, chocolate quente, pastel, caldo, arroz carreteiro, galinhada... Eu belisquei aqui e ali e fui me embrenhando por entre os sabores regionais. Mas faltava alguma coisa. Uma sensação de incompletude não me deixou entrar no clima da festa.
Talvez porque ainda não era junho. Talvez porque não era dia de São Pedro, São João ou Santo Antônio. Talvez porque não tinha amendoim torrado. Talvez porque não havia fogueira. Talvez porque não tinha chapéu de palha e camisa xadrez. Talvez porque não teve quadro dos três santos juninos no topo do mastro. Talvez porque eu queria o impossível: o sentimento caipira no meio da metrópole. Por mais que se esforçasse, esse sentimento não seria legítimo.
Saudade das festinhas no sítio Boa Vista. Saudade daquele cuscuz feito pela minha mãe cortado em pedacinho. Saudade do pão com carne moída cortado no meio. Saudade do bolo de fubá com erva cidreira. Saudade do terço puxado por vó Ofélia. Saudade dos olhos felizes de vô Antônio, espreitando tudo. Saudade dos rojões ao final de cada mistério. Saudade do cheiro do quentão esquentando no fogão. Saudade da fogueira, a qual dias antes vô Líbio fazia a arquitetura com troncos e paus secos. Saudade da luta para acender a fogueira no dia da festa (dá-lhe óleo diesel, papel e muita paciência). Saudade dos estalos da fogueira e das faíscas que salpicavam no céu escuro.
Saudade do estouro da pipoca. Saudade de beijar o quadro dos santos enfeitado com fitas e flores. Saudade das flores de São João que se espalhavam pelos barrancos. Saudade de colher essas flores junto com vô Líbio ou meu pai. Saudade da procissão com velas até o local onde seria erguido o mastro. Saudade de vó Adélia ficando meio zonza com uns goles de vinho quente. Saudade das bandeirinhas que fazíamos e pendurávamos dias antes. Bandeirinhas de jornal e de papel colorido flutuando por entre as mangueiras. Saudade do frio que emanava das águas do lago. Saudade do perfume das coisas do mato.
Saudade dos fogos coloridos e da alegria de vó Líbio diante deles. Saudade das palhas de aço espalhando fogo nas mãos das crianças no meio do campinho de futebol. Saudade do esforço coletivo para erguer o mastro. Saudade da busca constante pela perfeição de vó Líbio para colocar o mastro no prumo. Saudade dos risos de vô Antônio. Saudade de vó Ofélia entoando cantos antigos. Saudade do cheiro de amendoim torrado. Saudade dos cachorros se escondendo dos rojões. Saudade da fila para socar o mastro na esperança de ganhar mais anos de vida.
Os anos de passara, a vida junina, ao menos, a caipira, se perdeu nos ares metropolitanos.
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