23/07/2010 - Queimada
Do fogaréu, sobraram as cinzas. Algumas fuligens, flutuando ao vento, ainda tentam borrar o azul do céu. A paisagem é desoladora. Sem pedir licença, as línguas de fogo varreram toda a beleza do lugar para um mundo distante e ainda desconhecido. O colorido das flores e o verde dos campos ganharam um único tom: o tom do carvão. O cheiro do mato também se transformou no perfume do carvão. Tudo se perdeu na fumaça. Tudo morreu na carcaça. Tudo se esqueceu na queimada que matou a última fada.
Os ninhos, os ovos e as asas dos pássaros queimaram. As cigarras, mesmo dentro de suas cascas, queimaram. Os grilos cantando até o fim queimaram. As árvores em folhas, frutos e sementes queimaram. As formigas em seus formigueiros queimaram. As abelhas em seus favos de mel queimaram. As raposas, os cachorros do mato, os sapos correram e queimaram. Os anos acumulados nas voltas dos cernes das árvores queimaram todos de uma vez, fechando assim um tempo.
Um cigarro? Um fósforo? Um isqueiro? Um balão? Menino? Homem? Mulher? Não importa como nem quem. A única coisa que vale a pena saber é o que será daquele lugar. Será que dará tempo da chuva chegar, da vida brotar, do solo se recuperar antes que tratores e trabalhadores limpem de vez o terreno, levantando ali uma nova cidade? Mais uma cidade de carvão, feita à custa de tantas vidas e histórias queimadas pelo fogo que ainda arde em saraivadas na memória de quem ficou.
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