Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
22/06/2010 - Que falta sinto eu

Que falta sinto eu dos seus olhos verdejando essa paisagem tão seca e árida chamada realidade. Que falta sinto eu de ouvir sua voz, forte como trovão e amável como o canto dos pássaros, contando-me coisas no sopro do vento. Que falta sinto eu de poder contar com o seu incentivo, com o seu amparo, com a sua inspiração mesmo a quilômetros de distância. Que falta sinto eu de saber que aquela camisa vermelha está devidamente engomada sobre a cama, esperando seu peito para mais uma dança.

Que falta sinto eu de ser alimentado por suas histórias tão cheias de sentimento e detalhes. Que falta sinto eu de apertar sua mão áspera e ganhar um abraço daqueles capazes de afastar todos os meus inimigos. Que falta sinto eu de escutar seus conselhos e seguir seus passos como naquela brincadeira “faça tudo o que seu mestre mandar”. Que falta sinto eu de sentar-se à mesa e prosear enquanto se come uma bela polenta com frango caipira.

Que falta sinto eu ao saber que perdi uma das únicas pessoas que pedia por mim, com toda fé, em suas orações a Nossa Senhora. Que falta sinto eu ao lembrar que aquele trator, que roncava tão alto quão seu coração, está condenado ao silêncio. Que falta sinto eu ao me dar conta de que sua enxada, seu arado, sua plantadeira estão parados no tempo. Que falta sinto eu ao não ter mais seus canteiros para semear meu mundo de sonhos. Que falta sinto eu ao ter de admitir que nossas aventuras chegaram ao fim.

Que falta sinto eu ao cair no sono e sonhar com aquele sítio encantando que nós criamos e vivemos intensamente. Que falta sinto eu ao ver a cabeceira da mesa vazia. Que falta sinto eu de não colocar em seu prato o pedaço mais torradinho da carne assada. Que falta sinto eu ao procurar seus assovios pelo ar. Que falta sinto eu ao saber que você não está nos lugares em que eu me acostumei a encontrá-lo. Que falta sinto eu ao olhar para o céu e saber que vou ter de conversar sozinho com a lua.

Que falta sinto eu ao saber que nunca mais vou sentir o gosto de nada que plantou. Que falta sinto eu ao ligar para o seu telefone e ninguém atender do outro lado da linha. Que falta sinto eu ao colocar meu sapatão, meu chapéu de palha e ter que partir sozinho por esse estradão. Que falta sinto eu ao não encontrar seu sorriso simples e farto em canto algum. Que falta sinto eu ao ter certeza de que, ao menos nessa vida, nós dois, nunca mais...

Que falta sinto eu de, pela primeira vez na vida, não lhe dizer Feliz Aniversário. Justamente o senhor que sempre gostou de completar seus anos de vida com muita festa. O homem que queria passar dos cem anos hoje completaria 78. E como num disco de 78 rotações, hoje roda dentro de mim, na afiada agulha da saudade, a falta que eu sinto e hei de sentir pelos anos afora ao longo das páginas que ainda hei de escrever dessa história.

Observação do autor: Homenagem a Liberato de Lima Barbosa, avô deste poeta.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar