Daniel Campos

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10/06/2011 - Presentes de aniversário

Se pudesse pedir um presente de aniversário, pediria uma passagem, só de ida, com direito a acompanhante, para um mundo com menos hipocrisia e mais amor e poesia. Se pudesse, pediria um disco inédito de Tom Jobim ou um uísque na companhia de Vinícius de Moraes. Se pudesse, pediria um novo começo. Se pudesse, pediria uma janela para o infinito. Se pudesse, pediria as cores de Monet e a inocência de Renoir. Se pudesse, pediria para o tempo não correr de forma cronológica. Se pudesse, pediria para viver para sempre no sítio que ficou perdido numa dobra do tempo chamado infância.

Se pudesse pedir um presente de aniversário, pediria para sentir outra vez a fragrância de mato molhado vinda dos olhos verdes de meu avô. Se pudesse, pediria um canteiro com tulipas, paineiras e flores de São João. Se pudesse, pediria para ser formado única e exclusivamente por linhas e versos. Se pudesse, pediria palavras de carne. Se pudesse, pediria um café tirado no fogão a lenha e um pedaço de bolo de fubá com erva doce. Se pudesse, pediria para correr a mais de trezentos por hora no autódromo de Monza. Se pudesse, pediria para entrar num barco de papel e escorrer pela enxurrada.

Se pudesse pedir um presente de aniversário, pediria uma longa temporada de sossego. Se pudesse, pediria uma semana como náufrago lendo Neruda à beira mar. Se pudesse, pediria para voltar na história e evitar certas tragédias, coletivas e pessoais. Se pudesse, pediria para meus escritos, tanto os proféticos quanto os poéticos, se concretizarem. Se pudesse, pediria para que todas as máscaras caíssem de uma só vez. Se pudesse, pediria colo para Nossa Senhora. Se pudesse, pediria uma chuva fina de três dias. Se pudesse, pediria para provar novamente o gosto da polenta com frango caipira da minha avó.

Se pudesse pedir um presente de aniversário, pediria para que fossem arrancadas do meu corpo e, sobretudo, da minha existência todas as dores que sinto e que ainda hei de sentir. Se pudesse, pediria um exorcismo completo. Se pudesse, pediria para andar descalço pelo terreiro orvalhado. Se pudesse, pediria para a cegonha me levar de volta. Se pudesse, pediria um pé de Ferrero Rocher no meio do meu quintal. Se pudesse, pediria para ter os poderes daqueles heróis dos gibis. Se pudesse, pediria para ser o Fantasma da Ópera. Se pudesse, pediria uma garrafada de bons fluidos.

Se pudesse pedir um presente de aniversário, pediria para que algumas pessoas desaparecessem das minhas vistas, das minhas memórias. Se pudesse, pediria mais uma vitória heróica de Ayrton. Se pudesse, pediria para ter uma prosa com Deus. Se pudesse, pediria para tatuarem a música de Bethânia na minha alma. Se pudesse, pediria uma última taça de sorvete de ameixa. Se pudesse, pediria uma casa na montanha. Se pudesse, pediria um final de feliz de conto de fada. Se pudesse, pediria o perfume dos anjos. Se pudesse, pediria uma noite de sono livre de pesadelos. Se pudesse, pediria alguns bis.

Se pudesse pedir um presente de aniversário, pediria para voar como um pássaro sem asas. Se pudesse, pediria para ver o sol se deitar na terra vermelha. Se pudesse, pediria para ser levado por um trator pelos prados portugueses. Se pudesse, pediria uma estrela amarrada num barbante para que eu pudesse carregá-la por onde for. Se pudesse, pediria para ri até meu rosto doer. Se pudesse, pediria para dançar como dançava meu avô. Se pudesse, pediria para morrer nos seios da mulher amada e renascer em sua boca, em meio ao seu hálito fresco e doce, num sopro de criação.


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