Daniel Campos

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Por onde anda a esperança?

Eleições. Política no café da manhã, no almoço, no jantar e em todos os intervalos imagináveis. Televisão, rádio, internet, jornais, revistas e um assunto em comum: eleições. Debates, horário eleitoral, entrevistas, pesquisas, agendas e dá-lhe candidatos. Candidato foi não sei onde, almoçou com não sei quem, vestiu uma gravata tal... Nós também somos candidatos. Candidatos a sobreviventes nessa tempestade de propaganda. Eu gosto de política, mas nem sempre existe política nesses momentos eleitorais.

Mas se por um momento eu desligo a TV, emudeço o rádio, abandono jornais e revistas, parece não haver campanha. Longe dos meios de comunicação não existem sinais de eleição. Debruçado na minha janela, não vejo nada que lembre campanha política. É claro que não espero ver Lula, Ciro, Serra ou Garotinho pedindo votos sob a minha janela. Mas, a rua segue despolitizada. Não há figurões nem figurantes. A rua prossegue com seu ritmo normal. Passam comerciantes, pedreiros, carteiros, estudantes, donas de casa, varredores,..., desempregados, porém não passam políticos. E o povo que passa, passa sem nada que lembre o tema eleições, como se outubro fosse só no próximo ano.

Por onde andam as bandeiras? Não falo das bandeiras agitadas nas praças por aqueles que recebem "cachê" de partidos ou candidatos. Não falo de campanha privada, falo de campanha pública. Por onde andam os gritos? Não falo dos gritos dos carros de som que passam como se fossem inimigos mortais do silêncio. Por onde anda a esperança? Esperança. Chegamos ao ponto. A campanha não ganhou as ruas porque falta esperança.

Para explicar a questão esperança, voltemos no tempo. 1989: o povo celebra o fim da ditadura e uma parcela da população aplaude a vitória nas urnas de Fernando Collor. Tempos depois: decepção. Surgem às eleições de 1994 e 1998 e FHC é eleito e reeleito. Tempos depois, decepção. E agora, eis 2002 e o povo não se expõe, enfim, não se permite mais a ilusão com medo de se decepcionar novamente. Mesmo com o candidato no topo das pesquisas, os eleitores de Lula temem uma nova derrota. Por três vezes a derrota, por três vezes um gosto amargo. Nessa mistura de fantasmas (decepção e medo), são poucos os que se arriscam. Talvez o povo, aquele que faz a eleição nas ruas, só coloque suas fichas na mesa nas últimas voltas da roleta.

Sem o povo nas ruas, a campanha fica morna e tende ao tédio. Não adianta os banqueiros, as socialites, os artistas fazerem campanha. É preciso que um exército de joões e marias faça a campanha. Eles, os joões e as marias, não têm outro interesse fora à esperança. Eles que passam cantando com bandeira, camiseta e suor de campanha. Por enquanto, o povo passa com ares sonolentos. Culpa da superexposição. Em virtude da longa campanha (que já dura quase um ano) e dos principais veículos de comunicação (que vêem eleição como tema único), os candidatos perderam o quê de surpresa. Parecem todos repetitivos. De tanto acompanhá-los, em certos momentos, torna-se previsível os gestos e as palavras de cada um deles. Algumas vezes, tenho a impressão de que a eleição já passou e que seus personagens ficaram perdidos no tempo.

Enquanto esses joões e marias não surgem pelas ruas, vou tentar me desprender do vício (porque campanha eleitoral vicia) e escrever outras coisas. Quem sabe na poesia, eu encontre alguns olhos tomados pela esperança. Posto que lá fora, nas ruas, ninguém (nenhum joão ou nenhuma maria) sabe por onde anda a esperança.


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