Daniel Campos

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Por mais que doa, a primavera vem aí

A primavera vem aí! Por mais que doa, ela virá. Por mais que doa, nascerão as flores. Por mais que doa, os tons serão coloridos. Por mais que doa, ela não se vestirá de flores negras. Por mais que doa, a primavera e seus amores. Por mais que doa, as flores estarão nos jardins, nas praças, nas mãos de tantas namoradas. Por mais que doa, entre cores, perfumes e texturas existirá um sabor de saudade. Por mais que doa, a esperança, tímida e assustada, estará escondida em algum lugar desse tempo chamado primavera.

Por mais que o reino fosse do inverno, a espera da primavera habitava aqueles olhos cheios de vontades, desejos, esperanças. Dia 10 de setembro de 2001. Não deu tempo da primavera chegar. As lágrimas, as dores, os adeuses se aproveitaram do inverno. E aquela estação fria, mais uma vez, espalhou seu vento triste pela noite. Aquela noite teve um silêncio a mais. Aquela noite teve uma oração a mais. Aquela noite teve um guerreiro a menos.

Despedida. E as flores da despedida não eram flores de primavera. Faltava leveza. Sobrava dor. Flores doridas. Flores de inverno. Flores de adeus. Flores de luto. Então, um apaixonado que esperou a chegada de sua amada, a primavera, sonhou, sonhou, sonhou. Esperara-a com os olhos tombados sobre a beleza triste de um ipê amarelo em final de inverno. Flores de inverno que anoiteciam no amarelo das velas. A cera quente das velas e as flores frias do inverno.

O dia amanhecia e as flores amarelas dos ipês doíam. O céu não era azul, as nuvens não eram brancas, o silêncio não era quieto. Havia um desarranjo. Só as flores amarelas do ipê continuavam amarelas. Ninguém sabia o que acontecia, ao certo, dentro ou fora de si. Faltava uma pipa naquele céu cortado de vento e a bandeira de retalhos tremulava em outras mãos. Céu desbotado, mãos zonzas.

Morria uma pessoa. Morria um guerreiro. Morria um sonhador. Morria uma promessa. Morria alguém que era feito de células e esperanças. Uma esperança contagiosa. E tantos sonhos órfãos ficavam perdidos naquela falta de primavera. Naquele dia, os olhares que se enchiam de sol, sol seco de inverno, encheram-se de sal. Em cada olhar ficou um retalho daquela esperança.

Esperança de que, após aquele inverno feito de sombras, viria uma primavera. E naquele final de inverno, mais triste do que frio, não seriam somente dois olhares que esperariam a primavera. Uma multidão de olhares órfãos daquele sonho, mesmo que mais fracos e desacreditados do que de costume, esperariam a primavera. Por mais que doesse, seria primavera. Por mais doesse, ela viria. Por mais que doesse e faltassem flores, sobrariam sementes.

Observação do autor: Tributo a Antonio da Costa Santos (Toninho), ex-prefeito de Campinas assassinado em 2001.


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