Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
Por detrás da fantasia

Fim de tarde. A folha de papel em branco parece não querer me dizer nada além de coisas já ditas. As nuvens, ao contrário das cores tradicionais que reza o fim do ano, vestem-se de negro. A caneta tem dificuldade em desenhar as letras. Tantas lembranças se misturam as expectativas, que também são tantas. O texto nasce devagar, regado à chuva e bossa nova, na sede de buscar o ser humano que existe em cada um de nós e que anda meio esquecido.

Dizem que há uma certa magia no ar. Os quatro ventos nos alimentam com mensagens bonitas. Os olhos se enchem de panetones, presentes, leitoas, corais, perus, luzes, cumprimentos, cartões, sinos, vitrines, pinheiros, neve, orações, estrelas, enfim, é natal.

A tentação de falar sobre a comercialização que ronda o natal é grande, aliás, o leitor deve estar ciente que nas próximas linhas acabarei com o que resta da fantasia do natal, porém traçarei outro caminho. É claro que ocorre a banalização do simbolismo natalino, a dominação cultural, mas como uma amiga minha cansou de me dizer este ano, tudo tem um lado bom. Por isso, neste texto, eu irei à busca do "lado bom" do natal.

O que seria o "lado bom" do natal? Talvez o que chamam de espírito natalino. Este que segundo lenda ou tradição, não sei, transforma-nos em humanos de verdade. Realmente, o mundo se sensibiliza nessa época. Época ideal para perdoar, amar, cantar, ajudar, falar de paz. A emoção flui sem censuras. Só que essa emoção não é controlada, sendo assim, o espírito natalino que traz alegria é o mesmo que leva à depressão. Uma época de cobranças. Época em que cada um cobra de si próprio. Estamos diante do pior período para ter a solidão por companhia. Engraçado, o espírito de natal ao mesmo tempo em que nos expõe à vida, leva-nos para dentro de nós mesmos.

Mas por onde anda o espírito de natal quando não é final de dezembro? Será que anda escondido por entre os espíritos de Candahar? Será que se perde entre estrelas que não são de Belém? Será que depois do Jingle Bells ele dança tango? Será que ele se apaixona e chora num canto por alguém que não lhe ama? Será que ele foge ou é aprisionado? Será que esquecemos dele ou dela (como preferir), naturalmente ou de propósito?

Por que trancamos os nossos sentimentos e nos fazemos humanos só por alguns dias? Por que ao desejar feliz natal nós não temos o preconceito comum dos outros dias? Por que desejamos felicidades? Talvez porque nos vemos como humanos e não como "coisas". O ser humano é tão estranho que foi capaz de inventar um tal de espírito natalino só para se sentir ele mesmo, sem ter que se justificar por isso. E são só algumas semanas. A culpa, se é que existe culpa em ser humano, será do espírito natalino. Com o seu respaldo não é mais preciso fingir ou esconder-se em si mesmo. A vinda desse espírito nos traz a vida por inteira.

Agora, resta-nos conformar que como o papai noel, o espírito natalino não existe, - calma leitor, não se desespere, prossiga a leitura, - ele não existe dessa forma que estamos acostumados a vê-lo. Todavia, ele é, simplesmente, o que temos guardado de bom dentro de nós. Um lado que escondemos do mundo por razões infinitas que nos obrigam(os) a acreditar que existem. Emoções humanas que ficam restritas a um curto espaço de tempo. Reflita leitor: podemos ser humanos, de fato, só por alguns instantes no ano, por quê?

Não sei se posso, mas faço-lhe um pedido: Caro leitor, não cobre a vinda desse tal espírito. Apenas permita, dentro de si mesmo, ser humano. Feliz natal! Desejo sonhos e que o ?espírito natalino? não adormeça.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar