Daniel Campos

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Poeta da areia

O dia surge numa ausência sempre notada. Os caminhos se esparramam como desertos e toda aquela areia se remoí dentro de uma apertada ampulheta. Vejo caminhos nas alucinações que eu mesmo crio só para que eu possa continuar a caminhar. Seria tão bom se voltasse, mas devo seguir com uma mínima dose de lucidez. Mesmo que seja a mínima da mínima dose possível.

Às vezes, tenho e me detenho à nítida impressão que o tempo me prega algumas peças. Estou distante, longe, numa perspectiva praticamente impossível. Ao mesmo momento, parece que foi ontem. E mesmo passando os dias, parece que foi ontem. Ontem que nos deixamos, não porque queria, mas porque chega um momento que é preciso desdar as mãos. Um momento em que só permanece o que é realmente forte. E no momento decisivo, você não foi forte. Tempos depois, continuamos vivos. Mesmo com todo o deserto, não acabou.

Pode parecer loucura, mas às vezes me pego conversando sozinho, ou melhor, com você. Vejo-lhe, perfeitamente e indefinidamente, como antes. Pode não estar ali, mas como numa espécie de mágica, parece ter deixado tantos olhares ali. E vou eu, seguindo o meu caminho conversando as nossas tantas conversas que tivemos em olhares.

Lembra daqueles versos de Caetano Veloso, quando ele dizia que o coração queria abraçar o mundo e tenho certeza de que aqueles seus olhos, tinham uma intensidade que guardaria o mundo em si. Quantos os momentos guardados que povoam esse deserto.

A saudade existe, mas é extremamente necessária. Somos como as linhas das mãos, embora não se cruzem, sempre estão juntas.

Em alguns momentos, culpo-me. Mas eu não tenho forças para me condenar. Então, absolvo-me. Assim, sou tomado por uma espécie de profecia, a qual me diz que ainda não acabou. De que o deserto continua e deve haver alguma coisa além daquele imenso universo amarelado.

Quem sabe no meio de toda aquela areia exista um mar onde eu possa jogar uma garrafa com algumas folhas de poesia. Um mar louco e ladrão que leve essa garrafa às mãos de algum pirata. E que esses versos joguem suas ancoras em um coração pirata que navegue clandestino o meu legado.

O meu legado de poeta de areia. Ondas de areia. Tempestades de areia. Sentimentos de areia.


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