Daniel Campos

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20/09/2008 - Pedaladas verdes

O menino pedala sua bicicleta estreita, levando no guidão uma sacola de plástico com sete, oito, nove mangas verdes. Levava a caipirice da manga comum, que não fora batizado com nome importado algum. As mangueiras, festeiras depois do retorno da chuva, exibem suas pencas de mangas. É como se estivessem enfeitadas para a primavera. E as saias verdes, bem rodadas, que se espalham pelo concreto da cidade são de encher os olhos de qualquer um. E, passando por debaixo dessas saias, numa mais que completa meninice, o menino avança com sua bicicleta grená.

De posse de uma ansiedade que dava nos nervos, ele não agüentou esperar a vida amadurecer rosa, vermelha, amarela. Ele quis logo dar umas boas dentadas naquele fruto verde. Essa coisa de manga verde parece coisa de mulher grávida. Não falta quem diga que dá dor de barriga, estraga os dentes e pode até matar... Mas o menino não está nem aí para essas crendices. Ele quer mais é se fartar com aquelas mangas crianças, ainda verdolengas, com perfume de leite. Contrariando os mais velhos, que se enchiam de pudores, ele comemora, entre uma e outra pedalada verde, a colheita que acabara de fazer.

Com pedras e pontaria certeira, digna de um bom caçador, derrubou as mangas e tratou logo de colocá-las na sacola e pedalar, pedalar, pedalar, fugindo de uma possível bronca. Ia degustar aquele verdume todo longe da cena do crime de sua gula. Bem que ele queria ter uma mangueira no quintal de casa, mas onde morava mal havia espaço para caber a família toda, o que dizer de seus sonhos. Daí o medo de lhe roubarem as mangas vermelhas como já lhe roubaram tantas outras coisas. Inseguro, preferia se privar de uma vida suculenta e encher seu estômago de uma vida verde mesmo.


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