02/05/2012 - Para sempre verde, de Tom para Dilma
Presidenta,
Quem escreve esta carta é um Brasileiro.
Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim.
Sentado no piano de cauda, observava as árvores do Jardim Botânico que rodeavam minha casa me acompanharem com cadência e ritmo próprios. Balançavam seus ganhos, suas folhas dançavam ao vento, faziam coro no tom das matas.
A senhora já escutou a seiva correndo pelo tronco de uma sumaúma?
Antes de decidir o futuro do novo código florestal escute o que a natureza tem para lhe dizer.
Depois de escutá-la, do meu piano sempre brotaram matas, peixes, serras, aves, montanhas, lagoas, mares. Que da sua caneta também possam brotar flores, primaveras, verde-floresta...
Minha vida sempre foi um hino ao verde e às mulheres.
Sempre disse que o amor pela natureza se confunde com o amor pela mulher. A natureza como mulher que nos aninha, como musa que nos inspira, como mãe que nos alimenta.
Nasci na Tijuca. Sou parte da floresta. Mudei-me para Ipanema e lá aprendi a subir morros, mergulhar, imitar passarinho. Brincava com animais e me aventurava pelas lendas brasileiras. Foi a natureza exuberante quem forjou a minha alma de compositor.
Podia ter sido um ornitólogo, um botânico, um ictiólogo, mas fui músico, ou melhor, sou música.
Fiz da linguagem musical meu escudo e minha espada para defender a natureza.
Eu vivi de ecologia num tempo em que este tema não estava na moda. Minha música assumiu função prevacionista.
A minha arte sensibilizou muitos em defesa da floresta, patrimônio imaterial de todos nós.
Do meu piano saíram sementes de consciência e mudas de reflorestamento.
E sabe por quê? Porque meu sangue é do Brasil.
Conheço os apelidos e os nomes científicos de cada árvore, de cada animal. Aprendi a falar a língua dos pássaros. Minha inspiração vem sempre da floresta, dos bichos, da natureza – a mesma natureza que conta com o veto da senhora para continuar sendo cantada por nossas crianças.
Presidenta, eu faço um apelo à senhora em nome de botos, macucos, sabiás, caranguejos, arraias, patos pretos de asa branca e matitas-perês: deixe que haja flores, deixe que haja uma primavera, deixe os pássaros cantar, deixe a floresta ser para sempre verde.
Para sempre verde, Dilma. Forever Green.
Presidenta, imagine a Mãe Terra se transformando em um imenso deserto. É essa a herança que quer deixar para as novas gerações?
O novo código florestal não pode ser o seu legado.
Quando a vida for embora, onde a senhora vai dizer que está o azul, a floresta, o mar...
Deixe os pássaros voar, deixe os pássaros cantar, deixe o mato se espalhar, presidenta.
Toda a minha obra é inspirada na Mata Atlântica. Os lugares em que me inspirei estão sendo destruídos sistematicamente por essa raiva que o homem tem do planeta. A senhora não pode compactuar com essa raiva.
E com esse novo código florestal eu não vejo esperança nem para o bicho e nem para as plantas.
Sem mato, ar e bicho não há música.
Esse novo código florestal pode condenar o Brasil ao silêncio.
Veta Dilma para não calar a sinfonia do vento, o canto dos pássaros, o riacho correndo...
Observação do autor: Este texto é uma obra de ficção baseada no que Tom Jobim falou e cantou.
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