Daniel Campos

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17/03/2016 - Obelix, Charlie Brown, Pato Donald, pai

Meu pai me ensinou soltar a agulha da vitrola sem arranhar as vozes de Caetano, Bethânia e Chico Buarque. Trouxe-me lágrimas verdadeiras, num choro sentido, quando anunciou a morte de Tom Jobim. E pelas páginas de livros e jornais, trouxe-me a poesia de Vinícius de Moraes, a baleia de Graciliano Ramos, as lutas de Garcia Marques, os meandros de Saramago, o humor de José Simão, as viagens de Arnaldo Jabor, os passados de Carlos Heitor Cony. Meu pai de tantos jornais debaixo do braço, das bancas de revista, dos livros enfileirados, sem ordem alguma, em suas tantas estantes. Se eu pudesse dar um presente ao meu pai, dar-lhe-ia tempo e paz para ler todos os livros que ele comprou um dia. Muitos pais ensinam os filhos a nadar, mas o mais próximo de água que meu pai chegava comigo era da bica de água da Rainha, onde ele levava sempre dois galões grandes, um azul comprido e um branco mais arredondado, para buscar a água que bebíamos durante a semana. Ainda me lembro do gosto daquela água que escorria das torneiras farta, como se todos os rios do mundo desaguassem ali. E por falar em desaguar, o que dizer dos olhos de meu pai depois de perder Bizuco e Kika. Ele foi o último a se despedir dos dois cachorros que mais marcaram nossas vidas. Além de jornais, meu pai sempre chegava em casa com compras, petiscos, filmes, discos, notícias, preocupações, medos e uma forma calada de demonstrar seu amor pelos que habitavam a casa que ele construiu pedaço por pedaço. E a cara fechada, que chegava a franzir a testa, escondia um coração menino, afoito, esbaforido que por muitas vezes embaçava seus óculos esverdeados. Meu pai me apresentou à Mangueira de Cartola, o tempo de Paulinho da Viola, a força de Clara Nunes, Elis Regina, Dolores Duran. Meu pai ainda me emprestou seus pais, um avô de tantos causos e uma avó de inúmeras receitas. Sonhou um país melhor para mim e meu irmão. Guardou as notas de real com a esperança de que nós vivêssemos enfim em um mundo sem inflação. Meu pai foi muitas vezes além dos seus limites, lutando contra si mesmo, para tentar agradar. Com o passar das forças perdeu boa parte de suas forças, perdeu muitas lutas para si mesmo, mas continua tentando agradar. Meu pai com o tamanho de Obelix, com a alma de Charlie Brown e com o nervosismo do Pato Donald foi, do seu jeito, se construindo, descontruindo e reconstruindo pai. Por essas e outras, minha mãe me deu ao mundo e meu pai me deu o melhor do seu mundo.


Comentários

19/03/2016, por ANTONIO CARLOS:

MEU FILHO QUERIDO, TE AMO MUITO , OBRIGADO POR ME LEVAR A FATOS TÃO BONITOS E IMPORTANTES DE NOSSAS VIDAS


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