15/05/2011 - O triste fim da jaca
Havia uma jaca no meio da geladeira. No meio da geladeira havia uma jaca. Desengonçada como ela só, ocupava o espaço, a refrigeração e a vista dos outros alimentos. É como se houvesse uma baleia em um aquário de peixinhos dourados. Desde que a comprei nas mãos de um desses vendedores de beira de estrada adquiri um enorme problema: onde colocar a fruta depois de partida. E meu gostar da fruta não é nada que me leve a comê-la de uma só vez. É um desses casos em que o simbolismo supera o paladar.
Os dias foram se passando e aquela fruta foi tomando de conta da geladeira. Não cabia mais nada entre as prateleiras. E o que já estava lá, por razão do aperto, começava a perder. Era preciso escolher entre ela e iogurtes, frutas, legumes, manteigas, refrigerantes. Não teve jeito senão tomar a triste decisão de me desfazer da maior de todas as frutas. No cair das luzes, ainda a namorei por alguns minutos, mas a geladeira já havia comido muito de seu sabor. Quando a tomei nos braços, senti como se estivesse levando algo vivo.
Fiquei com dó. Lembrei de minha avó se lambuzando com os caroços de jaca na mesa do rancho. Lembrei da jaqueira que fora plantado no sítio. Lembrei das peripécias de meu avô para colher uma jaca. Lembrei do meu pai reclamando do cheiro da fruta. Lembrei de Dito Rocha, um vizinho distante, dizendo que era preciso dar algumas machadas no tronco da árvore para produzir belos frutos. Lembrei de tantas coisas enquanto caia em mim ou enquanto colocava, literalmente, o pé na jaca.
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