08/12/2009 - O tempo e Cauby
Quando cruzo a Ipiranga e a Avenida São João, ouço a voz grave e aveludada de um cantor que viveu dias de pop-star, provocando gritos e suspiros, apresentando-se no pequeno palco de um bar. Há cinco anos, às segundas-feiras, Cauby Peixoto lota o Bar Brahma em São Paulo, um dos últimos redutos da boemia paulistana. O autor de “Conceição”, aos 78 anos de idade e mais de 60 de carreira, está longe dos grandes palcos. Culpa do futuro que nos atrai e depois nos massacra, transformando-nos em passado.
O homem de penteado e figurinos excêntricos está mais quieto. Talvez, a idade. Mas a voz continua forte e sedutora. Lembro-me quando, na adolescência, ouvia “Lígia", "Conceição", "Ne Me Quite Pas", "New York, New York" e "Blue Gardênia" na voz de Cauby e perdia-me no tempo como uma nau suspensa, navegando em uma dimensão paralela pelos confins de meu corpo. Por essas e outras tenho quase certeza de que sou uma reencarnação de alguém que viveu intensamente a primeira década do século passado.
Por isso, ao ouvir os ecos daquele mundo tenho um reencontro com o que fiz, o que vivi, o que vivi. Minha alma ainda não se desacostumou das coisas daquela época. Não é à toa que sou dado à poética da vida. Um lampião afugentando a escuridão, um fogão a lenha pururucando leitões, um bonde serpenteando pelas ruas de pedra, uma reza recheada de ladainhas e cantores de rádio... Assim como o grosso das minhas sensações e memórias, o Cauby do século XXI se apresenta num pequeno palco ainda não engolido pela megalópole cotidiana.
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