Daniel Campos

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25/03/2012 - O sorriso de Isabella

A menina e o sorriso. Na verdade, não se sabia se a menina era o sorriso ou o sorriso era a menina. O fato é que um estava intimamente associado ao outro. Sorriso doce e inocente, marcante e suave ao mesmo tempo. E o seu sorriso era mágico a ponto de fazer todos ao seu redor sorrirem também. Aliás, a menina tinha o poder de tocar a alma alheia com extrema facilidade e delicadeza. Tanto que quando o sorriso se calou o mundo inteiro chorou.

A morte de Isabella desmanchou incontáveis sorrisos. Homens e mulheres, velhos e crianças, sóis e luas, árvores e pedras, ruas e flores, deuses e humanos,..., todos perderam seus sorrisos com a perda da menina que sorria de um jeito único, num infinito particular. O sorriso de Isabella tinha tempo e espaço próprios. Se a pureza tivesse um desenho, certamente seria o contorno da boca risonha de Isabella.

A dor do sorriso da menina sendo transformado em choro nos olhos de milhões de pessoas deixou marcas. Quantos os minutos de silêncio que ecoam até hoje? Quantos pensamentos de força e de solidariedade foram enviados à mãe da menina? Ana nunca mais sorriu. Nunca mais sorriu como sorria ao lado da pequenina. Pudera, mãe e filha tinham sorrisos interligados por uma espécie de cordão umbilical.

Por quantas vezes Ana embalou aquele sorriso? Por quantas vezes Ana ninou aquele sorriso? Por quantas vezes Ana entrou no quarto da filha em busca daquele sorriso? Por quantas vezes Ana quis voltar no tempo ao tempo dos sorrisos e ficar lá pra sempre? E por quantas vezes Isabella tentou reabitar seu corpo? E por quantas vezes Isabella correu para perto da mãe querendo dar ou receber um sorriso? E por quantas vezes Isabella quis voltar a viver com a mãe num simples, aconchegante e duradouro sorriso?

O sorriso de Isabella não se restringia à boca. O corpo dela todo sorria. Sorria por meio de palavras, passos, gestos e olhares, embora seus olhos brilhassem num quê de tristeza. Porém, nada que prejudicasse seu sorriso, pois até as estrelas brilham tristes. E o poeta já havia cantado que a beleza tem que ter um molejo de amor machucado. A pequena Isabella já vivia essa poesia com toda convicção. Sorria entregando-se à vida sem pensar no amanhã.

As fotografias e filmagens da menina vestida pelo próprio sorriso causam um nó na garganta. Difícil segurar as lágrimas. Era como se ela tivesse um sorriso vivo tatuado na alma. Um sorriso pulsante. A falta do sorriso da menina traz o silêncio das perguntas sem respostas. Para onde foi o sorriso de Isabella? Por que o sorriso dela nos foi arrancado tão cedo? Como alguém poderia fazer mal a um sorriso que soube fazer o bem?

Isabella era flor que ao contrário de pétalas tinha sorrisos. Sorrisos macios e acetinados, de várias cores e formatos. Sorriso meteórico. Sorriso profundo mesmo quando aparentemente raso. Sorriso envolvente. Sorriso intenso e propenso à esperança. Sorriso musical como o sorriso dos pássaros. Sorriso dançante. Sorriso que brincava como criança que era. Sorriso mágico, que não podia, em hipótese alguma, ter um final trágico.

O sorriso não podia ser machucado. O sorriso não podia ser asfixiado. O sorriso não podia acabar em sangue. O sorriso não podia despencar do sexto andar. O sorriso não podia ser enterrado. O sorriso não podia acabar assim. O sorriso não podia, não devia, não merecia ter esse ou qualquer outro fim. Hoje, no lugar do sorriso, um vazio. Um vazio de revolta, de negação, de tristeza, de incompreensão, de saudade...


Resta-nos o consolo de que agora os anjos sorriem como Isabella.


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