03/06/2010 - O corpo de Cristo
Dia de Corpus Christi. Dia de corpos e cristos. Dia de humanos e reis. Dia de carne e coroa. Dia que me leva aos meus poucos anos de idade e à pequena igreja de Nossa Senhora de Mont Serrat. Nunca me esqueci dos cheiros, das cores e dos sentimentos daquela igreja. Foi em mesas quadradas de madeira pintadas a óleo num tom de azul celeste, que serviam para festas e velórios, que tive minhas aulas de catecismo. Sob as assustadoras olheiras de dona Nair, a catequista, eu desvendei aquele livrinho que falava de pecados, mandamentos e outras informações vitais a um católico. Foi ali também que aprendi a decorar aquelas orações antigas, repetidas de geração em geração.
Aquele salão paroquial, onde eram ministradas as aulas, exalava um ar gélido, um tom triste, um silêncio cortante. Nem parece que estávamos ao lado de uma igreja. O ambiente era provocante e desafiador, embora fosse naquele mesmo cenário que eu fiquei cara a cara com um padre para confessar meus pecados e ganhei meu primeiro prêmio em uma roleta de quermesse (um frango assado). Por falar em comer, havia o medo de, no grande dia, engolir, morder, derrubar a hóstia consagrada. Dona Nair nos amedrontava com o fato de que qualquer coisa feita contra aquele pedaço de pão seria uma ofensa mortal contra o corpo de Cristo.
As aulas foram passando até que me vestiram com gravata borboleta para o dia da primeira comunhão. Lá estava eu diante de frei Luis, um padre que enrolava bastante no sermão e depois corria a missa a ponto de engolir palavras do folheto e andar até o final da igreja distribuindo a comunhão. Com pressa ou não, lá estava eu pisando aquele tapete vermelho em direção a um frei Luis bem mais comportado. Pudera, era um dia especial. Ao receber a hóstia, o corpo de Cristo se misturou ao meu e eu não soube o que dizer, em joelhos, naquela oração. Apenas me calei, entregando-me aquele universo de sensações.
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