Daniel Campos

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10/02/2012 - O canto lá de fora

Alguém canta e recanta lá fora. É um canto de quem chora, de quem veio embora, de quem está fora de hora. É um canto agreste que gruda na alma feito cipreste. É um canto ou um lamento o que ecoa da boca do vento? É um canto cheirando a bebida. Sim, é um canto bêbado por natureza, embriagado de ilusão, que em seus primeiros passos, ou notas, tropeça em fantasias. Dá a impressão que vai desafinar a qualquer momento, atravessar o ritmo, subtonar o tom, mas segue próximo à perfeição. Às vezes atrás, outras à frente.

É o canto de um pássaro sem ninho, de uma planta sem vaso, de um coração sem peito. É o canto de fome, de dor, de perda, de chuva. É um canto capaz de acender ou apagar velas. É um canto que aparentemente perdeu o rumo de casa, mas que bate na porta certa. É um canto enérgico, cheio de si. É um canto feito de improvisos e mensagens subliminares. É um canto seresteiro, um canto andarilho, um canto que roda, roda, roda e cai no mesmo estribilho. É um canto-poesia que eu queria ter cantado um dia.

É um canto que provoca o demônio, que mexe com os anjos. É um canto feito de gorjeios e sonhos alheios. É um canto que mesmo quando cala, canta. É um canto liberto de gaiolas e palcos. É um canto que aperta e que acalanta, que nos tira e nos dá uma série de sensações, que arrepia e nos coloca na cama, para dormir ou provar que ama. É um canto sem falsidade, um canto que invade o íntimo do íntimo do íntimo. Um canto de autoridade, entregue à própria sensibilidade. É um canto que de tão bonito chora de quebranto.


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