Daniel Campos

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06/12/2009 - O assovio e o vento

Depois de muitos anos o vento voltou a assoviar em meus ouvidos. Um assovio que mais se assemelha ao uivo dos lombos. Assovio que medra as crianças que urinam na roupa, os cães que se escondem e os velhos que se põem a rezar. Pelos campos de selva e pedra, o assovio chega a cortar feito lâmina imaterial. Vento ultra-sônico. Vento folclórico. Vento arteiro que gosta de assustar. Vento de ventanias e outras estripulias. Vento de assovios que correm como rios em noite de tempestade.

O vento assovia como um anúncio maléfico, como um prenúncio de final dos tempos. Que venham as cavalarias. Que venham santos e arcanjos com suas armaduras prontos a desafiar os demônios de plantão. É isso que o vento nos faz pensar ao assoviar feito um louco pelas ruas tortas do vale das sombras. O assovio arrepia, dá calafrios e um tremor na espinha. O que, depois de tantos anos, o vento quer comigo? Será que quer me pedir ou me cobrar alguma coisa?

O mais curioso é que o vento não dobra o arvoredo, tampouco destelha casas. Ele parece nem estar ali, fisicamente falando. O que há é só sua voz, ou melhor, seu assovio varrendo meus ouvidos. O assovio transpassa paredes, enlouquece pensamentos, coloca um sopro de morte no ar. Será algum aviso? A última vez que vi um vento assoviar desse jeito era garoto a correr pelo sítio de meu avô. Seja o que for, o assovio do vento faz doer as cicatrizes de um tempo perdido entre o corpo e a alma.


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