Daniel Campos

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Nuvens de Sangue

O dia olhado da janela entreaberta é, no mínimo, estranho. Nuvens negras surgem dos cantos do céu mais gordas dos que de costume. O sol febril faz um grande esforço para se desviar delas, se bem que há cada vez menos sol. Talvez chova. Não vi a previsão do tempo, não sei em que fase da lua estamos, nem sei a direção do sopro do vento, por isso só acho. Nada mais do que suposições.

Fico então olhando o céu com meus achismos, também não me resta nada a fazer nestes últimos minutos que antecedem o almoço. Já sinto o aroma que escapa das panelas no fogão. Podia fazer tantas coisas, mas prefiro ficar olhando as nuvens rechonchudas.

Vejo as nuvens e me lembro das crianças israelenses e palestinas, que não entendem a vida que lhes cerca. Não que alguém consiga entender uma guerra, mas as crianças são olhos desconhecidos entre fuzis. Crianças que são apresentadas à morte tão cedo. Ganham um beijo da mãe e quando se voltam a ela, os lábios maternos estão inertes, frios.

Crianças que abortam a infância, as brincadeiras, as fantasias, para observarem mísseis, tanques, soldados derrotados, ou seja, a vida vindo ao chão. Crianças que são tudo menos crianças, são traumas, são medos, são perdas.

Mas eu, um brasileiro que nunca presenciou uma guerra de corpo presente, pareço pensar em coisas desnecessárias que não me dizem respeito. De fato, devia trabalhar para me desfazer do tempo ocioso e parar de pensar na vida dos outros. Mas o romantismo de cinderelas e belas adormecidas não acha espaço dentro de mim. Sangro uma outra realidade. A realidade das vítimas que morrem sem conhecer o amor.


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