01/04/2010 - Narciso, o pardal
Que pardal mais narcisista este. Tanto lugar para fazer ninho e ele teve que inventar de querer sua casinha bem no retrovisor do meu carro. Todo dia é assim. O bichinho se debatendo em asas querendo entrar no espelho. Talvez queira ficar perto de seu reflexo ou, em sua maluquice passariana, enxerga ali, entre seus traços, uma suposta namorada. Já virou rotina encontrar pela manhã o espelho todo riscado de seus pulinhos e o retrovisor salpicado de sujeira de pardal.
Pensei em fazer uma arapuca para pegar Narciso, o auto-admirador grego. Talvez seja esse o nome mais adequado para ele. Vai gostar de se admirar assim lá na Grécia antiga. Também já cogitei esticar um bom estilingue para dar um basta nessa novela. Mas sempre acabo ficando com pena. Se bem que nessa história toda quem tem pena é o pardal. Nem bem o dia amanhece e o bichinho já está às voltas com seu reflexo. Como Caetano diz, Narciso acha feio o que não é espelho.
E ele se olha, e ele se beija, e ele se enamora. Enquanto isso, o carro vai ganhando suas marcas. Quem sabe se eu prendesse um gato ao retrovisor? Hipótese descartada! As unhas do felino causariam muito mais prejuízo do que as do passarinho. Já joguei alpiste bem longe da garagem, já enfeitei uma árvore só para ele, já pedi para uma pomba o flertar, mas Narciso não toma outro rumo. Depois de ter incutido com sua imagem e semelhança o bicinho está irredutível.
A alternativa que me sobrou foi colocar um pano cobrindo os espelhos. Agora, Narciso, o pardal, chora no galho de um ipê amarelo seu amor cego e platônico.
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