09/02/2011 - Matar o tempo
Estou atrasado. Perdi a condução, perdi a condição, perdi a minha hora, perdi o nosso horário. O relógio me passou a perna. E eu achei normal. Feliz o tempo em que os homens costumavam medir suas vidas de acordo com o tempo de plantar e colher. Ninguém se preocupava em medir o tempo em termo de exatidão matemática. O tempo era uma coisa divina, uma espécie de dádiva a ser usada em nosso favor. Hoje, é um castigo. O tempo é calculado em suas frações minúsculas numa ciência exata e objetiva. O tempo foi materializado. Tornou-se um vilão, um algoz, um elemento concreto. Um pesadelo permanente e constante. Afinal, já reparou que o tic-tac não cessa?
O relógio transformou o tempo. E, por conseqüência, nós fomos transformados em toque de caixa. Somos reféns de uma ditadura mecânica que desencadeou o desenvolvimento do capitalismo industrial, da exploração humana e da escravidão imaterial. Dos nossos pensamentos aos nossos sentimentos tudo está condicionado ao relógio. É preciso obedecer ao tempo de namorar, de sonhar, de comer, de acreditar, de gozar, de sair, de chegar, de dormir, de trabalhar. A menor desobediência pode causar até mesmo a perda de uma ou mais vidas. Vidas controladas pelo deus tic-tac.
O homem se deixou dominar pelos símbolos mecânicos e matemáticos das horas e agora não consegue se desvencilhar deles. Ao contrário, aprisiona-se cada vez mais. A cada volta do relógio, uma volta a menos. E uma volta pode significar um amor, uma paixão, um passeio, uma dança, uma promoção, um convite, um aplauso, um sorriso, um sonho feito ou desfeito. Até mesmo os senhores do relógio se deixaram dominar por aquele que foi durante anos seu instrumento de dominação. Hoje não há mais distinção entre classe, sexo, cor, idade, origem... estamos todos condicionados ao ritmo do tic-tac.
E só há uma saída a vista: matar o tempo.
Mas será que hoje em dia ainda resta alguém com coragem o suficiente para matar o tempo?
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