16/08/2014 - Mais de trinta
Acordei, olhei no espelho e me assustei: eu tenho mais de trinta anos. Eu tenho trinta milhões de sonhos pra ser realizados. Eu tenho muito a fazer neste plano. Eu tenho mais passado do que futuro. Eu tenho mais de trinta anos e ainda não aprendi a ser humano. Coleciono enganos, desenganos, entradas pelo cano. Eu tenho inocência de beijos e abraços. Eu tenho impaciência e carência de um outro tempo. Eu tenho tantos laços para ser amarrados, apertados ou desatados. Eu tenho mais de trinta anos e ainda tenho a inocência de que vou ser amado como amo. Eu tenho mais de trinta anos e ainda não me conheço por inteiro ao ponto de me pegar me chamando de fulano. Eu tenho mais de mil possibilidades e incuráveis saudades. Eu já não tenho mais desculpa. Eu tenho muito que fazer, falando sério tenho mesmo que correr, afinal eu preciso, sim eu preciso acontecer. Eu tenho mais de trinta anos carregando o piano do meu destino. Não sou mais um menino e ainda sou, e tudo sou... Já passei da época de ganhar brinquedo, de colecionar segredo, de ter medo... Eu tenho mais de trinta anos e ainda me encano com contos da carochinha. Às vezes ainda acho que a minha vida não é minha. O tempo passa e a morte existe e nem disfarça. Eu tenho mais de trinta anos e esse meu sangue cigano não me aquieta. Eu ainda acordo poeta. Eu ainda me faço sentimento. Eu ainda esculacho o cotidiano de gente grande. Eu tenho mais de trinta anos e ainda não pilotei um aeroplano, não virei vegetariano e não me acostumei em ser urbano. Eu tenho tanto ainda a conhecer que às vezes me dá vontade arrumar as malas e ir embora de mim. Em quantos casulos ainda terei que entrar para conseguir voar para onde eu quero. Eu tenho mais de trinta anos e ainda espero. Não danço valsa, arrasta-pé ou bolero. Já passei dos trinta e nem coloquei fogo como Nero. Eu já tenho mais de trinta anos e meu coração não tem nada de veterano. Eu nem sei o quanto o sal das lágrimas já marcou minha pele. Eu tenho mais de trinta anos e pressa em ter menos frustrações, expectativas quebradas e fantasias não realizadas na minha bagagem. Eu não espero envelhecer para ser somente parte da paisagem. Minha arte não tem idade. Eu tenho mais de trinta anos e ainda não fiquei nu na tempestade. Encontrei minha metade que preferiu completar outra realidade. Já tenho cabelos brancos e já não acredito mais em santos. Meus heróis já se foram. Eu tenho mais de trinta anos. Não tolero os draconianos nem me encaixo freudiano. Eu sou o mesmo Viniciano de Moraes, que anda amando, amando, amando demais. Acordei, olhei no espelho e me assustei: eu tenho mais de trinta anos.
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