Jardins de luxemburgo
Ela caminha como se caminhasse pelos jardins de luxemburgo, numa estrada submersa. Entre a fonte dos meninos de pintinhos de pedra e as árvores de quadris avantajados, ela se oferece às flores daquele jardim. Oferece sua cor, seu néctar, seu perfume e o que restara de sua última primavera. Mas ninguém a quer despetalar. Nem as flores, nem as estátuas, nem os passantes. Ninguém acredita que aquela mulher poderia trazer algumas doses de primavera em pleno outono.
Então, ela passa e aperta o passo e corre e atrás de si as flores vão perdendo a cor, os apaixonados vão se afastando se separando se largando e alargando a distância daquela mulher com aquelas pessoas que não acreditaram em sua primavera. E depois de tanto correr, ela tropeça nos ramos das flores tatuadas em seus pés e cai. Desavergonhado, o sol começa a bobinar por entre a pelagem alva daquela mulher desfalecida. Mulher que tombara como mais uma folha sob os pés de árvores avermelhadas alaranjadas rosadas.
A mulher caia naquele chão, que não era chão, era uma literatura cravejada nas pedras. E pra mal dizer e humilhar aquele lapso do cotidiano, os passantes, com pedidos de perdão e segundas e terceiras intenções, agarram-se as suas pernas, mordiam seu calcanhar, enrolavam-se em seus cabelos e diziam palavras baixas aos pés de seus ouvidos como criaturas da escuridão.
Ela abre os olhos assustada e corre. A cada passo virava a página de um conto de fada e quanto mais foge da realidade, mais se aproxima do fim daquela história. Onde estavam as fadas? A cada passo, a certeza de que ela não faz parte do seu próprio conto de fada. Tira os sapatos para correr ainda mais rápido. Já não há mais os patos esverdeados, as estradas de pedras, o perfume de paris, os longos vitrais... Ela vai se perdendo em sua própria fantasia. E aquelas criaturas baixas não param de cochichar em seus ouvidos, como se retirassem todo o lirismo em suas línguas. E que língua falavam aquelas criaturas obscuras em suas tonturas? Criaturas obtusas, ou na linguagem delas, abusadas.
Entre as tonturas, aquela mulher cambaleia e dança com seu próprio desespero. O cenário se desfaz e a poesia restante grita como se gritasse diante da própria morte. Com um brilho quente nos lábios, a mulher corre, se debate, tropeça na página de seu destino e cai novamente. A respiração ofega até ficar ofegante. O cotidiano toma corpo e em volta de seu corpo, as criaturas deixam de sussurrar, cochichar, murmurar, gemer e já berram o som que enlouquecerá de uma vez por todas aquela mulher - o som do tempo.
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