27/06/2010 - Histórias de porteira
Quando abria a porteira, meus olhos se abriam para um quintal de folhas no chão e cacarejo de galinhas ciscando. Cada uma de seu jeito, mais tímida ou atirada, as frutas se dependuravam nas árvores que esperavam um ano para dar o que comer. O cachorro me olhava da soleira da porta querendo um doce enquanto um apito de trem cortava a cidade. Perto dali, o namoro seguia nos bancos de praça, o tricô em cadeiras de balanço e a prosa em goles de café. E meus ouvidos, cansados de guerra, fartavam-se dos repiques de sino que convida para as missas da padroeira. E quando o dia escurecia, as estrelas se ajuntavam e faziam no céu uma fogueira.
Que bom ficar em casa ouvindo o vento caminhar pelo telhado como gato enamorado. Tinha rosa em botão e rosário dando volta em volta da mão. Como era bom acender o fogo e molhar o biscoito no café de pilão, escutar ao longe uma serenata e ver um pouquinho de mata da janela. Nunca me esqueço do rangido das folhas de madeira que emolduravam a janela, como um porta-retrato do sertão. Os passos procuravam outros passos naquele assoalho enquanto Deus semeava orvalho nos campos da velha estação. O coração se enrolava em mantas retalhadas e a porteira fechada não deixava entrar as assombrações da estrada.
Os licores coloridos enfeitam a prateleira e a caneca esmaltada se enchia da água que brotava numa fonte nos pés da figueira. Tinha um porquinho de engorda para um Natal que nunca chegava e bois adoçando a carne pros lados do canavial. O velho moinho falava sozinho, esclerosado pelas histórias que passaram em seus dentes. O ipê, roxo como forro de caixão, anunciava em suas flores que a morte vinha com seu carro pelo estradão. Muito tempo se vai do tempo em que meu mundo era guardado com oito fios de arame farpado atrás da madeira de uma porteira.
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