22/01/2015 - História dividida
Chora, chora por tudo o que valeu à pena. Chora, chora por ser assim, carne de poema. Chora, chora por amar demais. Chora, chora pelo aparecimento de um “mas”. Chora, chora pelos erros que não teve como consertar. Chora, chora pelos obstáculos que não teve forças para superar. Chora, chora por ter se dedicado mais e mais não sendo o suficiente. Chora, chora sua face mais ausente. Chora, chora a metade que se perdeu. Chora, chora por tudo que feneceu. Chora, chora pelas horas mais lindas das nossas vidas. Chora, chora pela criação da despedida. Chora, chora pela filha que não teve tempo de nascer. Chora, chora porque amor grande, amor poeta, tem que sofrer. Chora, chora o vazio que passa por nós na violência de um rio. Chora, chora o frio da falta do corpo alheio. Chora, chora me lembrando em seu seio. Chora, chora pelos cacos que ficaram. Chora, chora pelas bênçãos que nos devotaram. Chora, chora todo carinho derramado. Chora, chora e declara luto ao passado. Chora, chora não querendo ser mais de ninguém. Chora, chora sem saber se ainda é alguém. Chora, chora essa história dividida. Chora, chora sem querer saber de sono ou de comida. Chora, chora pelo fim do encanto. Chora, chora nas barras de qualquer manto. Chora, chora queimando como vela. Chora, chora sem coragem de olhar se há futuro pela janela. Chora, chora o apocalipse de um tempo. Chora, chora pelo eclipse que houve em nosso sentimento. Chora, chora a saudade de um perfume. Chora, chora sem entender o próprio ciúme. Chora, chora sobre fotografias. Chora, chora pelas rasgadas fantasias. Chora, chora por tudo o que fez sem ou por querer. Chora, chora porque ainda há de muito doer. Chora, chora pelos tempos que não voltam. Chora, chora pelos arrependimentos que não soltam. Chora, chora pela falta de estrada para continuar. Chora, chora porque o amor mais dia menos dia tem que chorar. Chora, chora ainda sentindo seu corpo no amado e desejado corpo. Chora, chora em meio ao torpor. Chora, chora sem guardar rancor de si ou de quem quer que seja. Chora, chora por mais que não mais se veja. Chora pelo destino interrompido. Chora um choro que ora é grito ora é silêncio ora é gemido. Chora, chora em soluços até ficar sem ar. Chora, chora como se a alma, a própria alma, fosse derramar. Chora, chora pelo que se quebrou, pelo que secou, pelo que ficou, pelo que o tempo carregou, pelo que um erro que custou. Chora, chora pelo conto de fadas que escapou das suas mãos. Chora, chora por perdão. Chora, chora tentando se perdoar. Chora, chora porque o mundo não pode parar. Chora, chora esperando quem não vai voltar. Chora, chora tentando entender o que não entendimento. Chora, chora pelo labirinto do tormento. Chora, chora sangue, suor e coração. Chora, chora diante desse muro gigante e alucinante chamado não. Chora, chora de dentro pra fora, de fora pra dentro, dos lados, de cima abaixo, de baixo pra cima. Chora, chora a mudança do clima. Chora, chora pelo que ficou para sempre preso no futuro. Chora, chora o não haver mais um lugar seguro. Chora, chora e pensa e faz e repensa uma besteira. Chora, chora a impossibilidade de uma história inteira. Chora, chora nas garras e nos dentes da solidão. Chora, chora num choro-canção fazendo da dor o seu refrão. Chora, chora de se jogar ao deleite. Chora, chora pelo derramado leite. Chora, chora por descobrir um ponto final no infinito. Chora, chora um choro contrito. Chora, chora fazendo do que não foi o seu muro de lamentação. Chora, chora pelo nascimento da morte no leito da divisão.
Comentários
Nenhum comentário.
Escreva um comentário
Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.