12/01/2011 - Grama recém-cortada
O barulho daquelas máquinas cortadoras de grama enerva os miolos. Um barulho rasgado, desafinado e, muitas vezes, engasgado. São notas longas, acordes estridentes. E o pior é que quase nunca surgem desacompanhadas. São duas, quatro, seis máquinas gritando ao mesmo tempo aparando os enormes gramados que se esparramam lá fora. Levando esses braços de corte, homens vestidos com macacões grossos, óculos de proteção, botas e quase nada de dinheiro no bolso. As lâminas vão decepando a grama, sem dó ou piedade, a ponto de tombá-la num jardim sem rosas ou violetas.
O barulho azucrina, oprime, castiga, intriga. Causa dores de cabeça e brigas externas e internas. Um atentado ao silêncio e à boa música. Tudo em vão. No entanto, depois dessa barulheira, eis a recompensa. A grama morta exala um frescor, um cheiro de seiva adocicado, que infesta o ar. É cheiro de mato molhado, orvalhado, serenado, sei lá. É cheiro de vida nova, de renovação, do verde brotando. É uma espécie de resposta divina à fúria do homem. É cheiro de flor mesmo não existindo flor alguma lá fora, senão um gramado tão vasto quanto o silêncio que resta até a próxima poda.
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