Faz-de-conta nº 2
Queria que chovesse chocolate e que a enxurrada me levasse num barco de papel. Queria que telefone celular cantasse como passarinho, num tom miudinho. Queria que jornal fosse feito de historinhas de ninar. Queria que o trabalho fosse só pra gente grande (e que essa gente grande trabalhasse no que queria ser quando crescesse). Queria que carro tivesse asas e que avião chegasse até os anéis de Saturno. Queria que existisse perfume de bolo de fubá com café de coador de pano.
Queria que toda casa fosse construída nos galhos da árvore e que os cachorros dessem cambalhotas como no cinema. Queria que a vida fosse cor de rosa, azul, verde... e não essa coisa cinzenta que anda por ai. Queria que os heróis e as mocinhas saíssem dos livros e fossem viver seus romances lá na praça. Queria que a fome não passasse de mais uma das tantas abstrações que habitam os discursos políticos. Queria que os gansos passassem no meio da rua, só pra acalmar o trânsito.
Queria que as balas perdidas fossem de caramelo. Queria que a alma humana tivesse olho mágico, só para gente bisbilhotar um pouquinho mais. Queria cavalgar os quatro mundos com o vento na testa. Queria que o trenzinho caipira passasse na porta da minha casa. Queria que os soldados fossem de chumbo e que polícia e ladrão fosse só uma brincadeira de criança. Queria que nuvem fosse de algodão e que os anjos voassem baixo. Queria que menino e menina se amassem e se matassem (literalmente, é claro) de paixão.
Queria que almoço fosse piquenique e a vida uma eterna matinê. Queria que beijo fosse de maçã do amor, que o mundo fosse brinquedo e que a lei nos obrigasse a ser feliz. Queria que bicho papão só existisse debaixo da cama e que os peixes nos ensinassem a viver debaixo da água. Queria que o correio fosse pombo e a terra uma imensa roda gigante. Queria cavar um buraco e sair no Japão, que a banda voltasse a flertar com o coreto e que o faz-de-conta fosse inquebrável.
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