27/12/2008 - Farvel
Estou na Groenlândia. Aqui, os blocos de gelo rugem. É difícil diferenciar o que é gelo e o que é urso. O gelo é branco. O urso é branco. O tempo é branco. E tudo é tão frio quão vazio. Por aqui não passa trem, não há florada de ipê, não tem fogueira de São João. No Ártico, o dia parece não acabar nunca. E a noite é um sonho e um pesadelo. E os dinamarqueses ainda tiveram coragem de chamar essa branquidão de terra verde. Onde estão as árvores? Onde estão as plantações? Onde estão as ervas daninhas?
Estou no meio do nada. Ao norte, o oceano Glacial. Ao leste, o mar da Groenlândia. Ao sul, o Atlântico. E ao oeste, o mar do Labrador. O silêncio é branco e frio a ponto de cegar e congelar ao mesmo tempo. Onde estão as colônias dos esquimós? Onde está a rainha da Dinamarca? Será que há uísque para tanto gelo? Vez ou outra, no virar do vento, há ecos do choro das focas que são mortas por caçadores. Para tanta dor, onde estão as mulheres com peles de foca sobre o colo?
Caçadores armados de paus com um espigão na ponta. As focas morrem espancadas, de forma lenta e agonizante. As focas são despeladas ainda vivas. Muitas, ainda bebês, ainda grávidas. Neste deserto de gelo, sem testemunhas, tombam as focas e os ursos polares. O sangue vermelho logo é engolido pelo gelo. Os gritos logo são levados pelo vento. As peles logo são vendidas em lojas de grife. Estou na Groenlândia. Aqui os blocos de gelo choram em dinamarquês. Choram o próprio farvel.
Observação do autor: "Farvel" quer dizer adeus em dinamarquês.
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