Daniel Campos

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Eu amo che guevara

Vestia vermelho. Mas não era um vestido vermelho de noite, tampouco uma lingerie vermelha de uma hora especial, muito menos um blazer para o trabalho. Era uma camiseta surrada contendo alguns dizeres que, na verdade, era um grito de guerra. E mais, era uma camiseta de hora qualquer. E a mesma camiseta usada por ela, vestia dúzias de homens que levavam em seu rosto a barba ainda por fazer. Para completar a brutalidade da veste, como uma flor que, mesmo sem querer desabrocha entre as pedras, vestia calça jeans e tênis. Nada combinava, nada rimava, nada se casava no visual daquela mulher que queria ser pedra e nascera flor.

Como se seu pai fosse de atenas e sua mãe de esparta, ela corria. Como se fosse o fruto da mistura de duas civilizações tão próximas e tão distantes, ela corria, física e mentalmente, por aquele caos. Como se fosse a prova e a contra-prova do pecado, ela existia e se misturava a outros tantos manifestantes naquelas trincheiras repletas de ideologias. Ela contrariava sue rosto de burguesa sem causa. E falava em revolução. Devia morar em um apartamento de cobertura de cinco quarto, mas preferia viver acampada pela rua. Devia ter um carro novo na garagem, de sua cor preferida, mas preferia anda de ônibus. Devia ter uma cesta com pêssegos, uvas, ameixas, morangos em casa, mas preferia comer pão com margarina na rua. Devia ter uma dezenas de apaixonados capitalistas correndo atrás dela, mas ela preferia beijar outras bocas.

Ela era uma mistura de feminista com socialista com picos de humanista. E nessa mistura, era de todos e não era de ninguém. Era revolucionária demais para se apaixonar por um só alguém, para se prender a um relacionamento. O que ela mais queria era ser livre. Livre para abraçar e ser abraçada pelo mundo. Mas havia limites para essa liberdade. A língua que a beijasse teria que saber o gosto das palavras de marx, de trostloi. Quem fosse segurar seu braços devia ter braços fortes de che guevara, olhos ameaçadores de stalin, gostar de ver a vida como glauber rocha a cantar a internacional sem errar uma só nota. Completando a sua lista de exigências pré-nupciais, seu namorado não poderia usar roupa de marca, nunca poderia ter pisado na Disneylândia, deviria fumar charutos cubanos, não poderia ler a grande mídia nem comer no Mcdonald's nem ir ao cinema para assistir as grandes produções de hollyowood.

Dentre tantos deveres, o pretendente daquela garota que passava com a poesia de um pedra que não queria ser lapidada devia saber que por razões sem razão de ser o primeiro beijo, certamente, seria o último. Afinal, ela era feminista demais, socialista demais e tinha apenas lapsos humanistas. Talvez por tudo isso ou por tudo aquilo que eu não consegui imaginar, aquela menina estivesse sempre sozinha. Como um soldado em pleno campo de batalha, ela era apenas mais um número. Era mais um dos dez mil que lotavam as ruas, era mais um dos cincos mil que invadiam, era mais uma dos três mil que manifestavam, que mais uma dos dois mil que invadiam, era mais uma das centenas que protestavam, era mais um dos tantos mil filiados a um partido, a um ideal, a um sonho coletivo.

E nesse sonho coletivo, ela, assim como a flor tem a companhia da pedra e a pedra da flor (nos mistérios que envolvem dois corpos tão iguais e tão estranhos), ela tinha a companhia da solidão, o mais capitalista dos sentimentos povoando seu sonho coletivo.


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