Daniel Campos

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30/12/2010 - Entre perdas e ganhos

Entre perdas e ganhos, perdi. Perdi o passo, perdi o rumo, perdi o prumo. Perdi quem sempre me protegeu, quem sempre me valeu, quem sempre engrandeceu a minha vida. Perdi quem me amou de fato. Perdi quem me ensinou o ato da lida. Perdi quem me criou, quem me educou, quem me inspirou. Perdi o fio da meada. Perdi a estrada. Perdi a cabeça, perdi a canção, perdi o coração. Perdi o ritmo, perdi a razão, perdi para a doença.

Perdi a terra, perdi a lavoura, perdi a semeadura. Perdi a lição, perdi o causo, perdi o sol e a chuva também. Perdi o gosto, perdi o posto, perdi a vontade de voltar. Perdi o embalo, perdi o faro, perdi o verde dos olhos. Perdi a crença, perdi o heroísmo, perdi o cavalheirismo. Perdi a dança, perdi a balança, perdi a esperança. Perdi os sonhos mais puros. Perdi o porto seguro. Perdi a loucura. Perdi a força, perdi a paciência, perdi o ânimo, perdi a ternura.

Entre perdas e ganhos, perdi. Perdi o exemplo, a referência, a inocência. Perdi-me em dores e feridas que não secam. Perdi-me em uma saudade que sangra como água de mina. Perdi-me de um jeito que nunca dantes havia perdido. Perdi-me da maneira mais torpe e dorida. Perdi-me e ainda não achei o caminho de volta, se é que existe volta. Perdi a porta, a janela, a nota da cantiga. Perdi a liga. Perdi a ponte. Perdi a conta dos dias que passo perdido.

Perdi o espaço, perdi o tempo, perdi o compasso do baile. Perdi a guia, perdi a poesia. Perdi o final feliz dos contos. Perdi a honra e o orgulho. Perdi a fagulha que acendia a fogueira, perdi a centelha que punha para correr toda e qualquer canseira. Perdi o flerte com a lua em noite alta, perdi a coragem, perdi a mata. Perdi a liberdade e a cidade de vista. Perdi a pista. Perdi o braço de ferro, perdi a aposta, perdi um mundo que se gosta. Perdi a vaidade, a mocidade, a imortalidade.

Entre perdas e ganhos, perdi. Perdi o motor, o horizonte, a fonte. Perdi a florada, perdi a morada, perdi a fortaleza. Perdi a beleza das coisas, perdi o som, perdi o tom. Perdi quem nunca gostou de perder. Perdi a prenda, perdi a oferenda, perdi o empenho. Perdi o desempenho, os planos, os anos daqui pra frente. Perdi a semente. Perdi o fôlego, perdi a voz, perdi as pernas. Perdi a cena, perdi a direção, perdi o trema. Perdi a bondade, perdi a firmeza, perdi a delicadeza.

Perdi a trilha, perdi a mira, perdi a lira. Perdi um anjo encarnado. Perdi um retrato cuspido e escarrado. Perdi o sentido, o significado, o abençoado. Perdi o remédio, perdi o jeito, perdi o conceito. Perdi a carne e o osso. Perdi a inquietude, a saúde e o desejo amiúde. Perdi o dia, a noite, o sereno. Perdi quem sempre rezou por mim. Perdi quem sempre velou por mim. Perdi quem sempre foi de um sentimento sem fim. Perdi a poeira vermelha, perdi o mel da abelha, perdi o cheiro de capim.

Entre perdas e ganhos, perdi. Perdi as asas de pássaro e as cordas da viola. Perdi a mola que sempre me empurrava para cima. Perdi a lima que me amolava. Perdi o corte. Perdi a sorte. Perdi o sono. Perdi a colheita. Perdi a seita. Perdi a deixa. Perdi a busca pela perfeição. Perdi a letra. Perdi a compaixão. Perdi a fé. Perdi o destino. Perdi o ponto. Perdi o pé. Perdi o costume. Perdi a prosa. Perdi a noção. Perdi quem me ensinou tocar a vida como quem toca boiada. Perdi a toada.

Perdi.

Perdi meu avô, perdi-me.

Entre perdas e ganhos...


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