21/03/2008 - Em respeito e por vergonha
(...) Silêncio (...)
Vivemos um constante duelo de forças, entre o bem e o mal. Por mais que isso passe despercebido em nosso dia a dia, é preciso buscar um equilíbrio dessas forças. Geralmente, esse equilíbrio é estabelecido à custa de muita batalha espiritual. No entanto, hoje, Sexta-Feira Santa, a balança pende para o lado das sombras. Hoje é o único dia do ano em que podemos afirmar que o mal triunfou.
Hoje, nos calamos em respeito à morte de Nosso Senhor e por vergonha, já que nossas gerações passadas compactuaram para a sua queda. Hoje, há um silêncio implícito nas vinte e quatro horas que compõe esse dia interminável. Hoje, os espíritos maus andam à solta, atormentando as almas mais fracas. Hoje, as vítimas de suicídios, acidentes e outras fatalidades são maiores do que o de costume. Hoje, o vale das sombras está em festa.
Hoje, foi preciso matar um deus para que pudéssemos acreditar nele. Hoje, a cruz é mais pesada para cada um de nós. Hoje, as feridas e as cicatrizes da alma ardem feito fogo. Hoje, a tristeza cavalga em disparada. Hoje, entregamos um Cordeiro para o sacrifício. Hoje, tudo perde o gosto, o perfume, o prazer. Hoje, mais do que nunca, nossa vida é pecado. Hoje, a morte do justo salva toda uma civilização de injustos.
Mais de dois mil anos depois, durante boa parte do nosso dia nós insistimos em questionar Deus sobre um possível abandono. "Ah! Deus me abandonou. Ele não me dá isso e aquilo". Porém, esquecemos que Cristo, mesmo na cruz, amou e perdoou aos que o condenaram, o insultaram, o crucificaram, o cuspiram, o roubaram. E nós, o que fazemos? Por mais dura que seja a verdade, repetimos os feitos dos judeus que mataram seu Rei. Não somos capazes de fazer nascer da dor suprema uma paixão plena, a ponto de entregar o próprio espírito em favor da humanidade.
Hoje, em mais uma Sexta-Feira da Paixão, por todos os feitos históricos e atuais, calamos-nos. Em respeito àquele que nos salvou e por vergonha de nós mesmos.
(...) Silêncio (...)
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