30/07/2011 - Elo perdido
Ainda no banheiro, sentada no vaso, sonhou. O momento era único. Não era todo dia em que fazia um teste de gravidez. Era preciso sonhar um tanto antes de ver o resultado. Se esperasse um menino queria que ele tivesse os olhos azuis daquele surfista com quem dividiu algumas ondas no último feriado. Ou ainda que nascesse com os cabelos ruivos daquele turista finlandês que trombou no metro sem querer e foi se envolvendo sem perceber. Ou ainda que tivesse as mãos grandes como às daquele goleiro que a agarrou subitamente como se agarrasse um chute à queima roupa, sem defesa.
E se fosse menina? Ah! Se fosse menina que ela fosse parecida com a filha daquele amante português que ela não conseguia se desvencilhar. Ou ainda que ela tivesse o cabelo daquela colega de faculdade que um dia, no auge da bebedeira, tascou-lhe um beijo. Ou ainda que ela tivesse um quê de sua irmã. Sempre se achou mais feia do que sua irmã, que chegou até fazer uns ensaios como modelo. Se fosse menina que, ao contrário dela, soubesse escolher melhor seus namorados e entender seu coração de mulher.
Porque não é fácil conviver com um coração de mulher pulsando dentro do peito. O dela mesmo, coitado, batia atravessado diante da eminência de uma gravidez. E se o exame acusasse um resultado negativo? Ah! Ela poderia continuar se esbaldando, sem compromisso com ninguém e também sem precisar dar maiores explicações. No entanto, como da última vez, continuaria vivendo como se lhe faltasse um pedaço. Um pedaço de si que ela vivia procurando nos lugares e corpos mais diferentes. Um elo perdido, um tempo ausente.
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