Daniel Campos

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É de batalhas que se vive a vida

Nem mesmo o sol conseguiu se recompor a tempo para descortinar aquele dois de outubro de 2006. O dia, por si só, amanheceu de ressaca. E não era de uísque. O céu ganhou nuvens pesadas e passou como um mar escuro, sem estrelas, sem cometas, sem sóis nem luas. E o sal desse mar escorreu por muitos olhos. Olhos negros. Olhos verdes. Olhos azuis. Independente da cor, o sentimento era o mesmo naqueles olhos de tanta luta, de tanto esforço, de tanta dedicação.

Naquela segunda-feira por mais que se falasse, que se afirmasse, que se jurasse, nada parecia concreto. Para onde foi a realidade? Para onde foi a nossa ilusão? Para onde foi a vitória? Naquela segunda-feira, o céu nublado ofuscou a armadura de Nike, a deusa grega da vitória. Naquela segunda-feira, as vidas-secas de Sinhá-Vitória ficaram ainda mais secas. Naquela segunda-feira, mesmo com a presença da primavera, nenhuma vitória-régia conseguiu se abrir em flor.

Definitivamente, aquela segunda-feira conseguiu colocar lágrimas nos olhos de um herói como nunca jamais o fizera. Por quantas manhãs de domingo um capacete verde-amarelo guardou só para si as lágrimas de Ayrton Senna? Por quantas vezes o pranto de Tom Jobim deve ter ficado restrito às partituras de um piano? Por quantas vezes, só as pernas tortas e os gramados testemunharam as lágrimas de Garrincha? Por quantas vezes o choro de JK deixou os braços de Sarah para se esvair pelo concreto de Brasília? Embora soubesse de tudo isso, as lágrimas daquele herói de cabelos grisalhos me intrigavam, me angustiavam, me emocionavam.

E eu que tinha descoberto um humor refinado naquele mito da política brasileira, comungava agora de suas lágrimas, que me escorriam tão próximas, tão duras, tão doídas. As lágrimas corridas em seus olhos, em suas palavras, em seus gestos reafirmavam-me a principal virtude daquele político, daquele advogado, daquele militante da justiça que, acima de tudo, é humano. Humano no mais amplo sentido que essa palavra possa comportar. Um homem que mesmo vivendo rodeado por normas, por leis, por regimentos não se deixou endurecer. Um homem que mesmo ocupando um dos cargos mais importantes da nação, sempre me olhou olhos nos olhos. Um homem que, mesmo depois de tantas lutas, ainda consegue ver a política como uma causa. E uma causa apaixonante. Um homem que, mesmo diante de alguns percalços, nunca deixou de acreditar que uma outra realidade fosse possível. Mais do que isso, nunca deixou de ajudar a construir essa outra realidade.

Mas aquela segunda-feira era adversa. Eu, que sempre o olhei distante, num misto de respeito e medo, estava ali, sem saber o que dizer, sem saber direito o que sentia, sem saber se gritava, se chorava ou se corria. E de repente, das lágrimas nasceram aplausos. E das lágrimas brotaram palavras de fé, de otimismo, de perseverança. E as lágrimas se transformaram em abraços. E em cada abraço a certeza de que tinha valido a pena ter vivido tudo aquilo. De que tinha valido a pena nós termos lutado juntos. De que tinha valido a pena nós termos tentado juntos. Enfim, de que tinha valido a pena nós estarmos juntos.

Ao sair daquela reunião um dia após uma eleição surpreendente em todos os sentidos, já me habitava uma saudade. Saudade da liberdade, do respeito, da confiança que aquele guerreiro da democracia brasileira havia me presenteado durante a minha breve participação em sua campanha eleitoral. E se a saudade tivesse uma voz, ouso dizer que naquela noite ela cantou: "Não diga que a vitória está perdida. Se é de batalhas que se vive a vida. Tente outra vez". A Sigmaringa Seixas, os meus aplausos, os meus agradecimentos e a minha esperança de que um outro Brasil é possível.

Observação do autor: Tributo ao então deputado federal Sigmaringa Seixas. Ele não conseguiu se reeleger em 2006. O texto foi escrito na noite seguinte a eleição, ocasião em que houve uma reunião com os colaboradores mais próximos.


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