24/08/2016 - Devastado assim
Corri tanto, tanto atrás de você que perdi minhas raízes. Hoje o vento me leva, me tomba, me zomba porque não tenho como me prender ao meu chão, que é o meu mundo, a minha realidade, e ainda sou pesado demais, com tantas quebras de expectativa colocadas em meu oco, para voar para outro tempo. Para não abrir mão de você me enverguei tanto, me entortei tanto, cedi tanto, pendi pranto e mais pranto... que quebrei meus galhos. Hoje já não tenho o porte de antes porque porque doei o melhor que tinha a você.
Hoje meus frutos, que já foram tão elogiados por você, são desprezados, apodrecem em mim sem que você nem se importe com isso. É como se tivesse nojo de um gosto que foi e continua sendo amor de verdade. Já não dependura mais seu balanço em mim para brincar e sonhar feito criança. Já não escreve mais os nossos nomes em meu cerne. Já não guarda mais as minhas sementes, pois não há qualquer preocupação sua com o futuro de nós dois. Hoje eu ardo na sua falta, num incêndio de estragos sem proporções, sem contar nem mesmo com uma lágrima sua para aliviar a dor que me consome.
Chamuscado e com essa madeira ruim, esgrouvinhada de tanto sofrimento, nem poderei me tornar o guarda-roupa que procura para guardar seu enxoval, seus segredos, sua vida pós-mim. E quando eu pensei que era ave, para viver em minha copa, leve e linda, descubro que é lenhadora. E lenhador tem coração? Que importa essa pergunta agora, todos acreditam que árvore também não tem, por isso fazem o que fazem sem o menor remorso.
Ah... não vai dar tempo das flores chegarem. E eu que esperava por um novo tempo, pela volta do que acreditei nunca ter ido, vou virando fumaça... O fogo se alastra fácil pelo meu corpo porque nossos encontros me secaram pouco a pouco em incontáveis e inimagináveis desencontros.
Devastado, estou condenado a morrer como morrem as árvores – em silêncio e na mais completa solidão.
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